5.3.07

comunidades tradicionais

O "paradigma" de Xico Graziano
Reunidos com o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, moradores da Estação Ecológica Juréia-Itatins reivindicam participação na gestão e fiscalização da reserva

Depois de 20 anos impedidas de desenvolver qualquer atividade que lhes garantisse um dos mais elementares direitos, o da sobrevivência, as comunidades tradicionais residentes nos limites da Estação Ecologica Juréia-Itatins (EEJI), no litoral sul de São Paulo, agora querem participar da gestão e fiscalização da área. Em reunião com o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Xico Graziano, na última sexta-feira 02, o Conselho Consultivo da EEJI, formado por entidades ambientalistas, órgãos públicos e representantes dos moradores, apresentou e entregou ao secretário propostas para as próximas ações do Estado na reserva.

Dentre as principais estão a formalização da gestão compartilhada da área, de forma a incluir os moradores nos processos decisórios; o estímulo à participação de ONGs para atuar nas RDS's; e a reivindicação de formalização de parceria entre comunidade e Polícia Ambiental para fiscalização conjunta e entre Estado e União dos Moradores da Juréia (UMJ) para a elaboração e implantação do Plano de Manejo. Requisitam ainda a manutenção do Conselho Consultivo como estratégia para garantir a voz da comunidade no processo de descentralização e criação de conselhos deliberativos para cada UC.

Resultado da luta ambientalista para proteger 80 mil hectares de Mata Atlântica nativa de virar um polo de usinas nucleares, a EEJI agregou diversas áreas onde há mais de século já moravam comunidades quilombolas e caiçaras. A medida protegeu a área, hoje uma das mais importantes áreas de preservação de floresta tropical do mundo, mas resultou em 20 anos de sofrimento para as 350 famílias residentes, proibidas de trabalhar e criar meios de sobreviver na terra que contribuiu para a formação de sua cultura.

Em dezembro passado, a promulgação da lei estadual 12.406/2006 reestruturou e redimensionou a área, finalmente corrigindo o erro. Ela transformou a Estação Ecológica no Mosaico de Unidades de Conservação Juréia-Itatins. Os 80 mil hectares protegidos antes por uma Unidade de Conservação de proteção integral (Estação Ecológica) foram desmembrados e agora contemplam sete UC's diferentes, duas delas Reservas de Desenvolvimento Sustentável, possibilitando às populações tradicionais locais a prática de atividades compatíveis com a presevação da mata e de suas culturas. As outras UCs do mosaico são dois Parques Estaduais, uma Estação Ecológica e um Refúgio da Vida Silvestre.

O secretário chegou à sede administrativa da Estação Ecológica, na Estrada do Guaraú em Peruíbe, após sobrevoar de helicóptero os 80 mil hectares de Mata Atlântica protegidos legalmente pela reserva. Assistiu à apresentação das propostas do Conselho Consultivo, feita pelo presidente da União dos Moradores da Juréia, Arnaldo Rodrigues, que fez questão de reiterar diversas vezes a preocupação das comunidades. "Consideramos fundamental a participação dos moradores em todo o processo. Da elaboração do Plano de Manejo á implantação. Da gestão à fiscalização", falou.

Graziano fez intervenções, questionou, mostrando bastante interesse. Por fim, adotou postura de um "herói da floresta". Amaldiçoou os "bandidos ambientais", prometeu reforçar a fiscalização e uma dura luta contra o desmatamento e afirmou que o modelo adotado na descetralização da EEJI será a linha guia de sua Secretaria. "A Juréia será o paradigma da minha administração. Aqui eu não posso errar, porque o Mosaico da Juréia servirá de modelo para outros mosaicos que vêm aí", falou. Tentou, com isso, mostrar aos moradores que não há necessidade de preocupação. Que a gestão compartilhada será o "paradigma" norteador de sua pasta.

Seu discurso enfático muito agradou os presentes na reunião. Com um estilo bem peculiar, Graziano disse ainda que não haverá misericórdia com aqueles que desrespeitarem as leis ambientais. Depois abriu espaço para as manifestações dos moradores. Problemas como a exploração ilegal do palmito, invasões e desapropriações surgiram sem demora. "Melhorar a fiscalização é uma questão de honra. Vamos intensificar o controle nas entradas do Mosaico", falou o secretário. Quando questionado por uma moradora que afirmou já ter sido ameaçada diversas vezes por catadores de plamito, relembrou seus tempos à frente do INCRA, quando lidava com as invasões do MST. "Quero gente com arma na cinta fazendo a fiscalização", declarou.

E ainda com relação ao palmito, surgiu o fato mais demonstrativo do tal "paradigma" de Graziano. Por lei, os índios têm autonomia para retirar palmito da floresta e vender em feiras livres. Antes, apenas eles podiam desenvolver a atividade. Mas agora, com algumas áreas transformadas em Reservas de Desenvolvimento Sustentável, o palmito virou patrimônio das comunidades. Isto é, o palmito extraído pelos índios pode virar renda para os moradores.

"Não teremos misericórdia com nenhum ladrão da floresta, nem com índios que roubarem palmito" disse o secretário, mostrando desconhecer a legislação. Sua afirmação indicou uma idéia preconceituosa a respeito dos índios, como se fossem seres estranhos e não moradores da floresta como todos os que ali habitam. Um ambientalista que participava da reunião interrompeu o secretário nesta hora e sugeriu mais cautela para falar desse assunto. "Acho melhor deixarmos para entrar nesta questão em outro momento, mais embasados com informações. Simplesmete jogar as comunidades contra os índios não vai ajudar em nada a resolvero problema. Na verdade, é algo muito perigoso", alertou altivamente.

Alerta mais do que justificado. No entanto, a resposta do secretário, um tanto arrogante, um tanto irônica, foi: "Está certo, vamos lavar a roupa suja". Como se o posicionamento do ambientalista fosse mera revolta de um "ecochato".

Está aí o paradigma do secretário. O paradigma de uma gestão compartilhada que não é 100% inclusiva, que exclui os moradores mais antigos das florestas, os indígenas. Agora é esperar e ver como vai se dar o processo de reestruturação da Estação Ecológica, inclusiva e participativa, ou discriminatória e excludente? Ou os índios não fazem parte também das comunidades da floresta e não precisam sobreviver e manter sua cultura, assim como todas as outras?

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