14.8.07

Universo simbólico e o espantalho gramatical


No Brasil, a Educação Ambiental é um campo construído historicamente como a prática educativa do movimento ecológico. A estratégia de permanente questionamento e desconstrução dos padrões de relações e enraizamento dos valores, preceitos, princípios éticos, formas de visões e linhas de pensamento do movimento ambientalista que, complexo em si mesmo, possui diversas correntes.

Por aqui, a EA foi lapidada e fortalecida fora do contexto escolar. Delineando-se como um movimento de educação popular, configura uma espécie de subsistema do movimento socioambientalista que, ao tomar contornos deste, com sua crítica radical aos padrões tradicionais de relações pessoais, públicas, espirituais etc, se apropria de termos, conceitos, teorias e linhas filosóficas comuns aos ecologistas.

Esse processo histórico estabeleceu um universo simbólico e conceitual do movimento socioambiental, que exerce uma função aglutinadora, identitária, estabelecendo laços simbólicos e códigos comuns entre os militantes. Mas alguns acontecimentos recentes suscitaram reflexões sobre até que ponto tal universo simbólico é positivo e quando começa a ser um complicador.

Após o III EEEA – Encontro Estadual de EA de São Paulo, alguns feedbacks de pessoas que foram ao evento apresentaram um certo desconforto.

O encontro era o ponto culminante do processo de consulta pública à minuta da Política Estadual de EA, reunindo profissionais da EA das antigas e muitos jovens altamente engajados. Mas reuniu também muitos professores e jovens curiosos e interessados em conhecer melhor este campo que emerge em importância com a deflagração dos problemas ambientais na atualidade. Destes últimos, alguns disseram sentir-se perdidos no meio de tanta siglas desconhecidas e termos diferentes com os que estão acostumados.

REPEA, CJs, REJUMA, REABS, RUPEA, Coeduca, Cescar, Coletivos Educadores, Redes, socioambiente, pensamento holístico, sistêmico, comunidades de aprendizagem, ecoalfabetização, agenda 21, carta da terra, Tratado de EA para sociedade sustentáveis e responsabilidade global... e por aí vai.

Este universo conceitual acaba desenvolvendo uma função de duas mãos. Ao mesmo tempo que dá um certo sentido de coesão e serve como forma de distanciar das raízes culturais hegemônicas, entranhadas de valores capitalistas, patriarcais, industriais, as experiências dos últimos dias demonstraram que este universo conceitual pode também ser uma barreira para a participação de novos atores nesta cena.

E depois do boom das redes então, somada à forte ligação que o movimento ambiental estabelece com este padrão organizacional, surge também uma constelação de siglas que passam integrar esse universo simbólico e conceitual, fazendo-se presentes do cotidiano dos atores sociais envolvidos com a área, complicando ainda mais sua compreensão.

A Educação Ambiental assume uma postura altamente integrativa, até mesmo pelo viés transdiciplinar da temática socioambiental, que permite interfaces com inúmeros outros temas. Se propõe a dialogar com todos os grupos possíveis, tentando deflagrar processos de reflexão individual e coletiva sobre a postura que temos assumido perante Gaia e o que isto tem significado, com o intuito de construir novas percepções da realidade e novas formas de pensamento, alinhadas com os princípios da sustentabilidade.

Mas para ajudar a construir o “outro mundo possível”, a educação ambiental não deve descuidar da sua capacidade de agregação de novos agentes. Sobretudo nestes eventos, um risco muito grande é cairmos na arrogância do jargão.


É um verdadeiro paradoxo que nos suscita um importante questionamento: como manter e fortalecer esses laços identitários, que carregam uma crítica direta aos padrões de consumo e de relacionamento dos humanos entre si, com as outras formas de vida e com o ambiente e que, portanto, trazem grande potencial de permear novos símbolos no imaginário coletivo, sem que isso se torne um "espantalho gramatical" do movimento?

Leia mais…

2.8.07

Juventude sociambientalista cobra posição de Graziano sobre Tijuco Alto

Cerca de 50 jovens com idades a partir de 17 anos, integrantes dos Coletivos Jovens Caiçara e Caipira / REJUMA – Rede da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade e outros grupos, pressionaram o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Xico Graziano, a se posicionar oficialmente sobre a construção da Barragem de Tijuco Alto, no Rio Ribeira de Iguape.


A juventude socioambientalista, composta também por moradores do Vale do Ribeira, conversou com Graziano no dia 28 de julho, em São José do Rio Preto, após a Plenária Final do III Encontro Estadual de Educação Ambiental (EEEA). Os educadores e educadoras ambientais e instituições, redes e coletivos presentes no encontro aprovaram uma moção de repúdio à construção da barragem de Tijuco Alto, apresentada pelo CJ Caiçara.

O secretário se esquivou e afirmou que não deve tomar posição oficial no caso. “A Secretaria não tem posição quanto a essas questões. Nós não temos e não deveremos nesse momento ter”, declarou. Justificou dizendo que não poderia se posicionar em relação a algo que compete a outro órgão, no caso o Ibama, responsável pelo licenciamento. Entretanto, disse que, se for possível compensar os impactos, pode haver até “ganho ambiental”.

A cobrança foi realizada um dia após o governador José Serra vetar o Projeto de Lei que transformava o Ribeira de Iguape em Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental do Estado de São Paulo. Quanto ao PL, um assessor de Graziano informou que a propositura não pôde ser aprovada porque o Rio Ribeira de Iguape, estando nos territórios de São Paulo e Paraná, é um rio Federal. Neste caso, o projeto deve sair do legislativo federal.


O Secretário conversou com os jovens após manifestação durante a plenária final do III EEEA. Portando cartazes e mudas de árvores, repesentando a vida, e entoando frases como "Terra sim! Barragem não!" e "Terra pra plantar e não pra alagar!", a juventude demonstrou amplo descontentamento com o andamento do processo de licenciamento da Barragem de Tijuco Alto. Durante as audiências públicas, os argumentos das comunidades e os dados técnicos apresentados por pesquisadores, comprovando os altos impactos sociaoambientais e culturais que causaria o empreendimento, não estão sendo levados em consideração.


Durante a conversa, que durou pouco menos de dez minutos, Xico Graziano falou que não tem informações técnicas sobre as comunidades tradicionais que habitam a região. Apesar disso, afirmou também que a SMA possui técnicos que conhecem muito mais sobre o caso até do que os jovens que moram na área.

Disse também que não vai se esquecer daquele papo.

Confira mais abaixo toda a conversa da juventude socioambientalista com o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Contexto
Único rio federal sem intervenções em seu curso com a construção de barragens, o Rio Ribeira de Iguape está na maior área contínua de preservação de Mata Atlântica do país. Hoje um empreendimento privado, a barragem de Tijuco Alto, põe em risco a área, considerada Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO.

Tijuco Alto é um projeto da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do Grupo Votorantim. A proposta é gerar energia para a produção de alumínio em sua fábrica no atual município de Alumínio, antigo distrito de Mairinque. A resistência das comunidades locais e das organizações socioambientais tem evitado a concretização do projeto.

Com planejamento de 153 m de altura e 65 km de extensão para geração de 150 MW de energia, a barragem de Tijuco Alto foi considerada a maior ameaça à complexa diversidade socioambiental e cultural do entorno do Rio Ribeira de Iguape.

Já foram realizadas diversas manifestações populares contrárias ao empreendimento. O Relatório de Impacto Ambiental, confrontado com dados técnicos dos impactos que provocaria a barragem, mostrou-se inconsistente. Ainda assim o risco do Ibama aprovar o licenciamento é muito grande, já que o Ministério de Minas e Energia é favorável à construção.


Conversa com Xico Graziano

Bruno (Itanhaém) - Em nome dos Coletivos Jovens Caiçara e Caipira de Meio Ambiente e Rejuma - Rede da Juventude pelo Meio Ambiente, nós queremos saber a posição da Secretaria de Meio Ambiente e do Governo do Estado de São Paulo sobre a construção da barragem de Tijuco Alto e sobre a transformação do Rio Ribeira de Iguape num Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental.

Xico Graziano - “A secretaria de meio ambiente só tem uma função na vida, que é proteger o meio ambiente paulista. O que for possível pra exercer esse poder na fiscalização ou nas ações ambientais de São Paulo, nós existimos pra isso. Nós não permitiremos que ações sejam feitas com prejuízos ambientais, ou com problemas ambientais que não possam ser mitigados. É assim que estabelece a legislação brasileira. Às vezes você vai construir uma rodovia, como o Rodoanel, em São Paulo. Ele corta a região do Guarapiranga. Então, pra permitir ao Rodoanel existir você exige uma série de compensações ambientais que eles foram obrigados a fazer. A mesma coisa com o aeroporto. Vai precisar construir mais uma pista lá em Cumbica. Então tudo bem, você precisa da pista, só que vai construir num local que tá lá a vegetação, um pequeno córrego. Tem que fazer a mitigação, a compensação. Tem que saber como é que o dano ambiental, nesses casos inevitáveis, como é que ele consegue ser controlado e acaba tendo, ao invés de prejuízo, ganho ambiental. Se for incompensável as obras não podem ser feitas.

JNI* - Mas os impactos no Rio Ribeira de Iguape serão enormes. Não tem como compensar a perda de uma riqueza como aquela!

Graziano - Quem diz isso é o EIA-Rima.

Lohan (Cananéia) - O EIA-Rima foi feito pela CENEC, o mesmo pessoal que era da Camargo Correia, que já fizeram barragens com falhas. O Vale do Ribeira é o que sobra de Mata Atlântica aqui no nosso Estado. Durante as audiências públicas, todo mundo viu, foi uma grande palhaçada, o Ibama presenciou! Eles ficaram sem resposta para todos os argumentos técnicos...

Graziano - O licenciamento é o Ibama que está fazendo. Se estivesse na nossa Secretaria eu teria que ter uma posição um pouco mais decisiva talvez. Mas nesse caso o licenciamento é do Ibama. Nós estamos acompanhando. Nós tínhamos muita gente lá nessa audiência. Haviam projetos de três barragens. Duas delas eram inaceitáveis. E de cara já foram abandonadas. Resta agora a de Tijuco Alto. O Ibama diz, esse problema quem resolve sou eu. Tirou do Estado de São Paulo, vocês sabem disso. Então nós estamos lá, acompanhando o resultado das audiências.

Vanessa (São Vicente) - Mas o Governo do Estado dever ter uma posição...

Lohan – O Ministério de Minas e Energia teve um posicionamento totalmente tendencioso...

Graziano - Vamos acompanhar as audiências. Outras audiências serão feitas... Isso nós temos que, nesse caso, em alguns casos. Foi como o projeto de lei. Você tem que seguir a legislação brasileira. Não adianta, a gente que é órgão público. Se tomar medidas, ou posições, ou ações que não têm fundamentação legal, vem o Ministério Público e te bota uma ação na cabeça. Então, essa questão da responsabilidade, de quem tá no poder público, às vezes você não é capaz de fazer o que gostaria porque não tem respaldo legal para isso. O Projeto de Lei tem esse problema, no caso, a base legal dele era muito frágil. Então não pode ser sancionado. Se o governador fizesse isso ele cometeria um problema. No caso também desse licenciamento que está sendo feito, como o Ibama tomou a si esse processo, nós estamos acompanhando, vendo que ele seja feito da melhor forma possível.

Thomas Enlazador (Olinda - PE) - Mas o peso do senhor, Secretário, é muito grande. Se o senhor já se posiciona politicamente contra uma agressão ambiental histórica que está sendo barrada há muitos anos... A discussão de Tijuco Alto já, desde a época do Fabio Feldman...

Graziano - Mas se é do jeito que você está dizendo o EIA-Rima não será aprovado. Porque a análise, o Estudo de Impacto de Ambiental mostra exatamente isso. Quais são os impactos ambientais, e como esses impactos ambientais podem, ou não, ser mitigados, serem amenizados, e quais compensações devem ser feitas. Essa é legislação. Esse é o EIA-Rima. Não quer dizer que não tem impacto. Sempre haverá impacto. Em qualquer coisa, inclusive no nosso caminhar. Andar de carro, vir fazer um Congresso desses... Existem impactos associados a todos eles.

Bruno - Tudo bem, secretário, mas qual a posição da Secretaria de Meio Ambiente sobre a construção da barragem de Tijuco Alto e sobre a transformação do Rio Ribeira de Iguape em um Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental?

Graziano - A Secretaria não tem posição quanto a essas questões. Nós não temos e não deveremos nesse momento ter.

Bruno - Não devem ter?

Graziano - Não. Não deveremos ter nesse momento posição sobre isso.

Bruno - E o motivo?

Graziano - Hãn?

Bruno - O motivo de não dever ter...

Graziano – É, não dever ter.

Cleber (Cananéia) - Você acabou de afirmar que o papel da Secretaria de Meio Ambiente é proteger o Meio Ambiente. Então dever ter um parecer.

Graziano - Proteger o meio ambiente não significa ter a mesma posição que vocês. COncordam com isso?

Bruno - Mas tem que ter uma posição.

Graziano - Não necessariamente. Minha posição é em defesa ambiental.

Lohan – Ou em defesa do dinheiro do Antõnio Ermírio de Moraes?

Graziano – Imagine.

Thomas - A Secretaria de Estado vai seguir a mesmo política desenvolvimentista do Governo Federal? Será que é esse o caminho?

Graziano - Acompanhem. Viram aqui hoje, tão vendo o que está acontecendo.

JNI - A gente não quer só acompanhar. A gente quer participar!

Graziano - Não sejam intransigentes. Defendam o seu ponto de vista...

Vanessa - Não é ser intransigente. Vocês representam o povo, e o povo não quer!

Graziano - Façam o que vocês estão fazendo. Continuem fazendo o que vocês estão fazendo, vocês estão certos. O mundo se move assim mesmo. Vamos ver...

Bruno - Mas pro mundo se mover de forma realmente democrática, atendendo as necessidades da maioria, a maioria precisa ser ouvida. E a maioria tá se manifestando. As populações locais estão se posicionando contra, a nação apóia, e mesmo assim, isso está encaminhando pra que saia. Por isso a gente pede uma posição.

Graziano - Eu não sei se está encaminhando pra que saia. De qualquer forma as audiências estão acontecendo...

JNI - Já aconteceram...

Graziano - (...) e as manifestações são muito fortes, contrárias, não é? Nós gostaríamos que nenhum rio tivesse mais hidrelétricas no Estado de São Paulo. Agora, essas decisões, tem as vezes outras influências. E nesse caso, o Ibama solicitou que ele fosse o responsável. E eu não posso, como homem público que sou, não posso ter uma posição se é um outro órgão que está fazendo. Vocês têm que entender isso. Não cobrem de mim o que eu não posso dar. Acompanhem as coisas como vão acontecer.

João Malavolta (Itanhaém) - E o senhor, sem ser instituição, como ser humano e cidadão. É a favor da construção?

Graziano - Eu não sou a favor de nenhuma barragem, hidrelétrica, antes de mais nada, porque sou um pescador.

Jovens - (gargalhadas)

Graziano - E sempre fui a vida toda. E sou um apaixonado pela natureza. Mas não é essa a questão. A questão é sobre as decisões públicas. Esse país vai enfrentar um apagão de energia daqui dois anos.

JNI - Se isso vier a acontecer, o senhor vai ficar chateado, vai tomar alguma decisão, ou vai aceitar numa boa?

Graziano - Não entendi a sua pergunta.

JNI - Se a barragem for construída. O Senhor disse que não é a favor como pessoa. E o senhor vai engolir isso?

Graziano - Se por ventura isso for necessário fazer e os danos ambientais que ela causará puderem ser mitigados ou compensados...

Vanessa - As comunidades Ribeirinhas não podem ser compensadas!

Graziano – Mas eu não tenho informações sobre isso. Técnicas.

JNI - Mas deveria ter!

Vanessa - As pessoas moram lá!

Bruno – Nós temos...

Graziano - Mas eu não tenho... eu não consigo saber de tudo.

Cleber - A Secretaria de Meio Ambiente não é a que protege?

Graziano - A SMA tem muita gente que sabe disso mais que vocês, podem ter certeza. Mas o posicionamento oficial da secretaria é outra coisa.

Lohan - Mais que as comunidades tradicionais eu tenho certeza que não!

Vanessa - Uma coisa é ir lá. Outra coisa é acordar e dormir lá. Viver lá.

Graziano - Nós estamos acompanhando. Nós temos técnicos que trabalham nesse assunto a mais de dez anos. Esse caso vem lá de trás, há mais de vinte anos. Desde a época do Montoro esse assunto já apareceu com as três hidrelétricas. Duas são completamente malucas. Esta tem um estudo que está com possibilidade de ser analisado. Eu não sei qual vai ser o fim disso. E eu não posso, e não devo, expor uma posição oficial da Secretaria sobre esse assunto. Ok?

Bruno - Ok.

Graziano - Mas eu não vou me esquecer dessa conversa que tivemos aqui hoje.

Vanessa - Até porque a gente não vai parar por aqui.

Graziano - Muito bem! Não parem, não parem.

Leia mais…