30.7.08

Músicos de Capela

A paisagem é de grama sintética.
Não mais os verdes ricos, seus cantos e urros melódicos,
reflexo de uma sociedade demente e patética.
O canto é como um grito desolado,
a postura é de um europeu medieval
e a imponência é da matança.
Padrão como enlatado, agora é eucaliptal
onde a vida era pujança.
De um lado é preservação,
do outro é exploração,
para baixo e sempre a sobrevivência.
Direitos humanos viram papel
e para o bem da corporação eles não saem do papel.
Dos pais se quer o chão e a história com a terra
e o desejo: uma nova relação com a floresta.
Resguardar a riqueza da semente,
produzir com a força do diverso
e o valor do diferente.
Ir ao Alto perceber
o poder de ser um músico de Capela.
A juventude agroecológica a celebrar e cantar
por democracia e soberania alimentar.
Porque viver é divertido e para todos deve ser,
vamos todos ao Alto perceber
o poder de ser um músico de Capela.


Poema escrito em lembrança ao II Encontro de Coletivos Jovens do Entorno de Unidades de Conservação, realizado em Capela do Alto, bairro rural de Guapiara/SP (jul/2008)

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17.7.08

Falta energia ou falta visão

Por Washington Novaes
wlrnovaes@uol.com.br

O tema das barragens e usinas hidrelétricas volta a ocupar espaço abundante no noticiário, por muitas razões:

1) Por ser essa uma fonte renovável e menos poluente de energia, num momento de crise, e que abre a possibilidade de reduzir, com seu uso, as emissões de gases que intensificam o efeito estufa e acentuam mudanças climáticas;

2) pelo ângulo oposto, por estar o Brasil levando adiante vários projetos nessa área, quando alguns estudos mostram a possibilidade de, com conservação e eficiência energética, até reduzir consideravelmente nosso consumo de energia, além de poder recorrer muito mais do que o faz a outras fontes menos problemáticas (eólica, solar, de marés, biocombustíveis, principalmente);

3) porque a construção de hidrelétricas sem preocupação de implantar eclusas que permitam a navegação dificulta depois o aproveitamento desse meio de transporte (onde seja viável e sem custos excessivos);

4) porque grande parte da energia gerada se destina à produção de eletrointensivos (alumínio e ferro-gusa, principalmente), com altos subsídios, que impõem a toda a sociedade (que paga os subsídios) pesados sacrifícios, enquanto beneficiam principalmente consumidores dos países industrializados, grandes importadores desses produtos;

5) porque a interrupção do fluxo de rios e o alto armazenamento de águas suscitam outras preocupações aos estudiosos da área.

Pode-se começar pelo fim. O relatório Planeta Vivo 2006 e outros documentos da ONU dizem que a alteração e retenção do fluxo hidrológico no mundo para uso industrial, abastecimento doméstico, irrigação e produção de energia já fragmentam mais de metade dos maiores sistemas fluviais do mundo e 83% do seu fluxo anual (52% de forma moderada, 31% gravemente). A quantidade de água armazenada em reservatórios ou barragens já é, no mínimo, três vezes maior que a contida nos rios. Só barragens com mais de 15 metros de altura são 45 mil no mundo, segundo a Comissão Mundial de Barragens. São muitas as conseqüências: inundação de áreas importantes, perda de biodiversidade, desalojamento de populações, aumento da evaporação, acumulação de sedimentos (e geração de gases), entre outras.

Muitos países dizem não ter alternativas imediatas, como a China, diante do aumento da demanda por energia. Mas certamente não é o caso brasileiro. Já foram mais de uma vez citados neste espaço estudos da Unicamp e da Coppe (UFRJ) que mostram ser possível, a custos muito menores que no aumento da produção, reduzir em até 30% o consumo atual de energia, com programas de conservação e eficiência; e ganhar mais 20% com repotenciação de usinas antigas e redução de perdas nas linhas de transmissão (hoje em 15%). Mas ninguém ouve a área federal de energia discutir esse tema com a sociedade. Ao contrário, os responsáveis pelo setor só se preocupam em anunciar novas, caras e questionáveis unidades geradoras, na Amazônia, na polêmica área nuclear e em outros lugares problemáticos - Estreito (TO), Vale do Ribeira (SP) e Salto (SC), entre outros.

E tudo isso acontece em meio a graves discussões. Ora porque se muda o local de implantação de uma usina no Madeira e não se considera necessário novo estudo de impacto, ora porque já se anuncia para o ano que vem outra usina, no Rio Xingu, palco de conflitos sérios. Num momento, porque se condena o "esquecimento" de prever eclusas nas hidrelétricas do Rio Madeira - o que pode interromper a navegação; em outro, porque se condena à inundação um patrimônio paisagístico e cultural da humanidade, reconhecido pela Unesco, como é o caso de uma usina no Vale do Ribeira, onde podem sobrevir também problemas para remanescentes da mata atlântica, mangues, cavernas, restingas, quilombos, índios, caiçaras.

Estranho que pareça, não se discute um fenômeno cada vez mais freqüente, que é o rompimento de barragens. Só este ano isso já ocorreu no Rio Corrente (GO), em São Gonçalo (PB), inundando a cidade de São Vicente do Seridó; dois anos antes foi em Camará, onde o rompimento deixou 4 mil pessoas ao desabrigo. É evidente que se impõe uma revisão de métodos, inclusive por causa de alterações nos formatos de chuvas, com precipitações mais intensas em curto espaço de tempo.

É um problema que remete a recente estudo do Banco Mundial (28/3), em que está enfatizada a "baixa qualidade dos termos de referência e estudos de impacto ambiental" de projetos na área hidrelétrica. Por isso mesmo, e porque acha "razoáveis" os prazos concedidos pelo Ibama nos licenciamentos, não sugere o banco mudanças radicais nos processos e naqueles prazos - bem ao contrário do que pregam o ministro do Meio Ambiente e o presidente do Ibama.

Talvez fosse adequado olhar o que acontece em outras partes - como nos EUA, que já removeram 467 barragens, principalmente na Califórnia (48) e no Wisconsin (47); ou na Alemanha e na Hungria, onde estão em pleno andamento os planos de "renaturalização" dos rios, com a remoção de barragens, canalizações, etc., para que sejam restauradas as antigas planícies de inundação natural, removidas populações ribeirinhas e se evitem conseqüências desastrosas de enchentes. Ou ainda para várias partes da Europa, da Austrália, da Nova Zelândia, da Espanha, de Portugal, onde se investe pesadamente em energia eólica e solar - ao contrário do que fazemos aqui, onde o minguado programa de energias alternativas (Proinfa) se arrasta há anos, da mesma forma que os programas de eficiência energética (Procel).

É preciso repetir e repetir: entre 1973 e 1988, após o segundo choque do petróleo, durante 15 anos não aumentou em um só kilowatt o consumo de energia nos EUA, graças a programas de eficiência - e sem prejudicar o crescimento do PIB, que foi de quase 40% nesse período.

Eficiência não impede desenvolvimento. Ao contrário, ajuda, liberando recursos.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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11.7.08

Um terço dos corais sofre risco de extinção devido a estresse

Fatores como a mudança climática e a poluição colocam abrigo de mais de 25% das espécies marinhas em risco

GENEBRA - Os corais também sofrem com o estresse, devido a fatores como a mudança climática e a poluição, que já colocam um terço destes construtores de recifes em risco de extinção.

Esta é a principal conclusão do primeiro grande estudo mundial sobre o estado de conservação dos corais, uma iniciativa conjunta da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e de Conservação Internacional, realizada a fim de incluir estas espécies marinhas na lista de espécies ameaçadas.

Os recifes de coral, que levam milhões de anos para serem construídos, abrigam mais de 25% das espécies marinhas.

Os corais produzem os recifes nas águas pouco profundas tropicais e subtropicais, e são extremamente sensíveis às mudanças registrados em seu entorno.

O estudo mostra que as principais ameaças que afetam os corais são a mudança climática e problemas locais como a pesca destrutiva, assim como a qualidade da água afetada pela poluição e pela degradação dos hábitats litorâneos.

A alta das temperaturas pelas mudanças climáticas leva ao branqueamento dos corais, um resultado de sua resposta ao estresse e que lhe torna mais frágil frente às doenças.

Os pesquisadores predizem, além disso, que a acidificação dos oceanos representa uma nova ameaça grave para os recifes de coral.

Dado que as águas absorvem quantidades crescentes de dióxido de carbono da atmosfera, a acidez de água aumenta e seu pH baixa, o que tem um grande impacto na capacidade dos corais de construir seu esqueleto, que é a base dos recifes.

Por isso, os 39 cientistas que efetuaram o estudo concordam que a alta das temperaturas na superfície das águas segue provocando o branqueamento dos corais e doenças, o que pode levar muitas destas espécies a não ter tempo de se reconstituir, o que poderia levar à sua extinção.

"Estes resultados mostram que os corais construtores de recifes correm maior risco de extinção, como grupo, que todos os grupos terrestres, exceto os anfíbios, e que são os mais vulneráveis aos efeitos da mudança climática", comentou Roger McManus, vice-presidente da CI para os programas marítimos.

O principal autor do artigo, publicado hoje pela revista Science Express, Kent Carpenter, lembra que "quando os corais morrem, os outros animais e plantas que dependem dos recifes de coral para sua alimentação e sua proteção também desaparecem, o que pode causar a destruição de todo um ecossistema".

Os resultados desta avaliação serão inscritos na lista de espécies ameaçadas da UICN em outubro deste ano.

Fonte: estadao.com.br

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2.7.08

Há certeza?

Por Bruno Pinheiro

Do fundo dos olhos

vem como uma canoa no rio a deslizar.
Aparece como luz que brilha
e reflete na água tranquila
e até o verde das matas ilumina
como um sutil sorriso no canto da boca.

Mas fica sempre a duvidar

sobre se, ou quando
um dia verá a transformação
do cósmico em interior,
do céu em imaginação,
da lua uma constelação
de satélites que guardam o universo.

Mas fica sempre a duvidar
de que poderiam sumir as flores
e com elas a beleza e a leveza
dessa vida em que há tristeza e falsos pudores.
E a alegria lá dentro se esconde

como um tatu a cavar
ou um avestruz de cabeça enterrada
com medo do hoje e do amanhã.

Mas fica sempre a duvidar...
como receio da alegria.
Quantos não tem medo de viver a vida?
Quantos não tem medo de trocar?
Quantos não tem medo de encontrar?

Basta se entregar ao agora
e saber que é uma vibração de Gaia
que grita, que sorri e que chora
e que fica sempre a duvidar
...

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23.6.08

Moradores fazem protesto contra a Petrobras no litoral paulista

Manifestantes pedem retirada imediata das famílias que moram bairro onde solo foi contaminado por petróleo

SÃO SEBASTIÃO, SP - Os moradores do bairro Itatinga, em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, fizeram nesta segunda-feira, 23, um protesto em frente a unidade da Petrobras para pedir a retirada imediata das famílias que moram em uma área onde o solo foi contaminado por resíduos de petróleo, há quase três décadas. Segundo os manifestantes, desde quando os resíduos foram descobertos no quintal de uma casa, há dois anos, os moradores começaram a ficar doentes e alguns desenvolveram até câncer.

"Em apenas uma rua existem quinze casos, inclusive de crianças com câncer", disse uma das organizadoras do movimento, Débora Siqueira. Com faixas, as famílias pediam atenção da Petrobras para o problema. "É
um verdadeiro descaso. A Petrobras prometeu retirar as famílias do local e não fez nada até agora", completou. Em março o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que a Petrobras retirasse, imediatamente, oito famílias do local, mas a ordem não foi cumprida. Existem ainda outras 76 famílias que estão na mesma área de risco.

A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) está avaliando os relatórios produzidos pela Petrobrás e deve divulgar um parecer sobre o nível de contaminação do bairro em três semanas. "O diagnóstico ambiental é de competência da Petrobrás e a Cetesb está analisando o que foi estudado. É uma análise da qualidade desse laudo. Se estiver errado ou inconsistente, a Cetesb vai exigir as adequações", informou o superintendente do litoral norte, João Carlos Milanelli. "Chamamos de borra de petróleo formada por vários tipos de hidrocarboneto, substâncias que tem potencial tóxico. O que estamos analisando é se o estudo da Petrobras sobre as substâncias está correto". O relatório tem 14 mil páginas.

De acordo com a assessoria de imprensa da Petrobrás, a rua citada pelos moradores - Rua Gisele de Oliveira - onde supostamente estariam surgindo casos de doenças graves, não pertence à área onde foi detectada a existência de resíduos. Nesta rua, segundo estudos feitos pela Petrobrás, não há sinais de hidrocarboneto.

Por Simone Menocchi - O Estado de S.Paulo

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14.6.08

O brasileiro alugou o Brasil, mas paga a conta

Já dizia o grande poeta Raul Seixas, em sua música Aluga-se:

"A solução pro nosso povo
Eu vou dá
Negócio bom assim
Ninguém nunca viu
Tá tudo pronto aqui
É só vim pegar
A solução é alugar o Brasil!...
Nós não vamo paga nada
Nós não vamo paga nada
É tudo free!
Tá na hora agora é free
Vamo embora
Dá lugar pros gringo entrar
Esse imóvel tá prá alugar"

Pois é, os gringos entraram e trouxeram um modelo político-econômico no qual o lucro é privado, mas o ônus é social. Raul só errou nisso: alguém tem de pagar alguma coisa. É assim que funciona. E se o lucro é do proprietário, de quem é o prejuízo?

O vídeo abaixo mostra uma manifestação pacífica da Via Campesina na sede da Votorantim Energia, na cidade de São Paulo (texto do post anterior). O ato faz parte da jornada de lutas da Via Campesina para denunciar a exploração social e ambiental das grandes empresas no Brasil, principalmente as estrangeiras.

No caso em questão a conta quem paga é o cidadão, que com seus impostos financia não só os subsídios que governos federais e estaduais dão para essas empresas. Financia também o salário e a estrutura da segurança que deveria ser pública, mas que reprime uma manifestação social em favor de uma grande corporação capitalista.

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12.6.08

Ocupação no prédio da Votorantim Energia

Hoje [ontem] pela manhã, o prédio da Votorantim Energia foi ocupado em protesto contra a nova tentativa de construção da barragem de Tijuco Alto no Vale do Ribeira.

A ação, que contou com aproximadamente 600 pessoas, e uma das muitas mobilizações organizadas este ano por diversos movimentos sociais, grupos e organizações ambientalistas, comunidades indígenas, caiçaras, quilombolas e ribeirinhas.

A barragem de Tijuco Alto, se aprovada, será construída para fornecer energia elétrica exclusivamente para a CBA (Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Votorantim), e causará grandes impactos ambientais e sociais. Os estudos de impacto ambiental da empresa foram reprovados duas vezes pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a licença para a construção da barragem foi cassada pelo ministerio público da última vez que a empresa tentou aprovar o projeto.

A ocupação durou pouco tempo. A polícia entrou com violência no local, usando bombas de gás, dando tiros para o alto e batendo nos manifestantes. Algumas pessoas se feriram, não há número preciso ainda.

O Vale do Ribeira é o último grande maciço de Mata Atlântica do Brasil. E o Lagamar (região da foz do rio Ribeira) é uma região de uma especificidade geográfica tão grande que abriga uma das maiores riquezas naturais do mundo em termos de importância estratégica para a biodiversidade. A ponto de ser um lugar que foi nomeado pela UNESCO como patrimônio natural da humanidade. Mas a região não foi incluída no Estudo de Impacto Ambiental, a pesar de a legislação brasileira determinar que os estudos devam ser feitos em toda a bacia hidrográfica.

Uma barragem do porte da barragem de Tijuco Alto, além da destruição necessária para a própria inundação da região, além de todos os impactos causados rio abaixo, requererá que se abram estradas grandes em meio a esse oásis de floresta (uma turbina não passa pelas estradas que ali existem), além de puxar um enorme sistema de estrutura para amparar a construção dessa enormidade. Seria o início de um intenso e poderoso processo de"desenvolvimento" predatório da última região do estado de São Paulo que ainda mantém muitas das suas características naturais originais, e ainda abriga uma grande quantidade de comunidades tradicionais quilombolas, guaranis, ribeirinhas e caiçaras.

O rio Ribeira é o último grande rio do estado de São Paulo que ainda não foi represado por barragens.

Para maiores informações sobre os impactos, veja os vídeos:

"Em defesa do Rio Ribeira de Iguape"

"Caminhada contra a Barragem de Tijuco Alto"


"Audiência Pública Tijuco Alto"

Para mais informações, documentos e atualizações sobre o processo, veja o site:
http://terrasimbarragemnao.blogspot.com/

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22.5.08

Turismo comunitário: estratégia de enfrentamento às desigualdades

Adital - José Ricardo Cox Aranibar, Vice-ministro de turismo da Bolívia, esteve presente no II Seminário Internacional de Turismo Sustentável, realizado em Fortaleza de 12 a 15 de maio. Em entrevista à assessoria de Comunicação do evento, ele fala sobre a política de turismo do governo boliviano, a importância do turismo comunitário para a consolidação dos territórios indígenas e para a superação dos problemas gerados pelo colonialismo e pelo neoliberalismo.

Desde quando o turismo sustentável é discutido pelo governo boliviano?


José Ricardo - O tema do desenvolvimento turístico sustentável é discutido há 10,12 anos em toda a Bolívia. A partir disso, foram feitas algumas ações. Teve um projeto do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de apoio ao desenvolvimento turístico sustentável há uns 10 anos. Nos últimos 5 anos, iniciou-se a segunda fase do projeto, que incluiu um apoio à regulamentação para a operação turística (hospedagem, incluindo aspectos de conservação do meio ambiente e responsabilidade social). E também foram apoiados projetos nos quais foram promovidas alianças entre a empresa privada e as comunidades locais, focando na responsabilidade social das empresas. Estes projetos foram financiados ao setor privado para que realizasse atividades com as comunidades.

Em que medida isso é possível, já que as visões e interesses desse dois segmentos geralmente se contrapõem?
José Ricardo
- Em alguns casos, resultou mais ou menos bem. Em outros, um fracasso. Houve um acompanhamento da ação social das empresas. Determinamos que o estado ou uma ONG acompanhasse essa relação, capacitando a empresa privada com o tema da responsabilidade social, para estabelecer alianças eqüitativas nos negócios e empregos. Geralmente o setor privado tradicional teve uma atividade um pouco de aproveitar-se da boa vontade da comunidade. A empresa privada levava os turistas para visitar a comunidade, conhecer a cultura e não deixava nada na comunidade. Então, começou-se incluindo a comunidade na venda de artesanatos, de produtos locais, a fazer capacitação para que (as pessoas da comunidade) pudessem ser empregadas na atividade turística.

Porque o apoio não foi direto às comunidades e sim às empresas privadas para estabelecer parcerias?
José Ricardo - Esses projetos demonstrativos chegavam a 1 milhão de dólares. Há outros setores, que são projetos pequenos, que chegavam direto às comunidades, comunidades e municípios. Isso foi o início, mas, como governo, não existia uma política para o desenvolvimento comunitário nem nas normas nem nos regulamentos de turismo. Na lei também não. A partir de 2006, com o governo de Evo Morales, ele deu ênfase no tema do turismo comunitário. No seu programa de governo, propôs o turismo comunitário como eixo central das políticas de turismo do país. No plano nacional de desenvolvimento, formulado em maio de 2006, o turismo comunitário aparece como um dos eixos importantes do desenvolvimento econômico orientado à geração de emprego e renda. O plano nacional identifica as políticas gerais e nós, do vice-ministério do turismo - a cabeça do turismo na Bolívia, elaboramos um plano nacional que se orienta nos princípios do turismo sustentável. Então, como principal política de desenvolvimento turístico sustentável, estão os turismos indígena e comunitário.

Como é trabalhado o turismo indígena?

José Ricardo - O modelo indígena é autogestionário, que surge endogenamente e são organizações comunitárias que geram seus empreendimentos, sua empresa turística. É um modelo no qual se promove o estilo de vida, uma forma de ser da sociedade original, na qual a relação harmônica com a natureza e a relação entre as pessoas é uma relação de afeto, de unidade, de trabalho conjunto, de tomada de decisão conjunta, portanto deixa benefícios econômicos, sociais, ambientais e, sobretudo, na consolidação dos territórios indígenas. É uma ferramenta importante para enfrentar a pobreza, mobilizar os recursos internos dos sistemas produtivos agrícolas, florestais e pecuários e uma forma de dinamizar a economia, criando oportunidades no próprio território, evitando a migração e promovendo a volta dos indígenas das cidades até suas próprias comunidades. É um modelo democratizado de turismo. Na Bolívia, há muito pouco investimento estrangeiro. Vemos como possibilidade importante agora do Governo Evo Morales a aliança com as comunidades.

Estabelecendo um paralelo entre a Bolívia e o Brasil, como você avalia as perspectivas de governo para o turismo nos dois países?
José Ricardo - A indústria do turismo no Brasil é bastante desenvolvida, mas baseada em investimento estrangeiro. É um modelo territorial tipo enclave (cercado por territórios pertencentes a estrangeiros), que não deixa muitos benefícios à base comunitária, à sociedade do país. São empresas nas quais seus benefícios são exportados. Essa é a minha percepção. É um modelo totalmente contraposto ao modelo comunitário. Não sei se é possível estabelecer aliança entre o setor estrangeiro empresarial e o setor comunitário aqui. Mas o setor comunitário está surgindo com uma organização desde a base, o que permite pensar em um futuro muito mais eqüitativo, com a possibilidade de se desenvolver de maneira mais autônoma.

* Por Aline Baima, assessora de Comunicação do II SITS

Crédito de imagem: Iana Soares

© Copyleft - É livre a reprodução exclusivamente para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados.

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19.5.08

Começo de papo - porto em Peruíbe

A proposta de construção de um mega complexo industrial e portuário em Peruíbe traz com força o desenvolvimento da região para a pauta de discussões públicas.

Não há hoje quem negue as difíceis condições de sobrevivência, principalmente para as classes economicamente menos favorecidas, do litoral sul de São Paulo. E não há quem negue também a necessidade de desenvolvimento da região. O que alguns negam e outros defendem, mas muitos não enxergam claramente, é que estas necessidades vão muito além da questão econômica.

A própria economia, se realmente compreendida, pode ampliar a visão. De raiz etimológica no grego oikonomia (oiko=casa + nomia=regras, gerenciar), economia significa, originalmente, "gerenciamento da casa". Ou seja, a gestão dos recursos produtivos, de forma a atender e a beneficiar a todos os moradores da casa. Os recursos produtivos são diversos, mas geralmente apenas o dinheiro, o capital, é percebido como tal. Aqui no litoral sul de São Paulo, os recursos são infindados e, se bem trabalhados, podem resultar em recurso financeiro para aqueles que hoje não têm.

As características ambientais e geográficas da região, por si só, representam enorme recurso produtivo. A cultura local é um enorme recurso produtivo. As pessoas e seus saberes, eruditos ou populares, representam recurso produtivo. Gente do mundo inteiro olha com bons olhos para a região, mas aqueles que aqui moram estão olhando para fora. Já passou da hora de valorizarmos os recursos que aqui temos e inserí-los num planejamento de longo prazo.

Quando se fala em sustentabilidade ou em desenvolvimento sustentável para o litoral sul de São Paulo ou para qualquer outro lugar do planeta muitas outras questões devem ser consideradas como pano de fundo para o crescimento econômico. E algumas das principais são: como estamos gerenciando os recursos da nossa casa? Quem está gerenciando estes recursos? Quais recursos estão sendo gerenciados?

O caminho principal para a compreensão destas e outras questões e suas relações com o todo por parte da população é a construção de políticas públicas, envolvendo os setores sociais locais numa discussão que objetive tecer os arranjos necessários para a construção do desenvolvimento sustentável.

Dizer não ao porto em Peruíbe, neste instante, não significa unicamente uma postura "verde", de defesa das matas e da biodiversidade. Muito mais que isso, significa se posicionar em favor daqueles que nunca tiveram chance de participar das construções políticas que nos trouxeram a este ostracismo (falta de ação política) econômica que reina na região.

O litoral sul de São Paulo necessita de soluções públicas para as suas mazelas sociais, econômicas, ambientais e culturais e não de uma resposta privada. Se a classe política fosse séria, a muitos anos já teríamos iniciado este processo de construção democrática e participativa do nosso presente e do nosso futuro. Não é o porto a saída para a paralização econômica da região se pensarmos em respeito aos fundamentos da sustentabilidade.

Os poĺiticos locais nunca trabalharam para construir políticas públicas sérias. Em escala bem menor e de nível local, o modelo de desenvolvimento econômico encampando cá pra estas bandas de nosso rico e diverso Brasilizão é o mesmo que oferece um porto e um complexo industrial para região.

Os membros da classe política que agora saúdam a vinda do porto sem levar em consideração o potencial socioeconômico, ambiental e cultural regional estão na verdade assinando seu atestado de incompetência (ou de falta de interesse público) para coordenar a construção de um caminho público, social, para os problemas que afligem a população do litoral sul.

A sociedade civil e a classe empresarial que também apóiam o empreendimento, ou está vendo o ouro reluzindo - isto é, está levando em consideração o seu benefício pessoal com o projeto - ou está dizendo amém para a construção histórica de nossa classe política - aquela responsável pela situação caótica da região, que seria "consertada" pelo porto. A sociedade participando e influenciando ativamente nas decisões que dizem respeito aos municípios e à região como um todo é coisa que nunca interessou à classe política.

Mas tudo é uma via de duas mãos. "Se não gostamos do comportamento dos políticos e do funcionamento do sistema e não fazemos nada quanto a isso, estamos sendo políticos, estamos contribuindo para a perpetuação de uma situação política indesejável".

Esta passagem é do livro "Política - quem manda, por que manda, como manda", do escritor João Ubaldo Ribeiro. Sintetiza tão bem o contexto de participação social aqui no litoral sul do estado de São Paulo que parece ter sido escrita por conta disso. O que ele quer dizer é que não importa sua posição em relação à sociedade, ela é sempre política. E que se você não participa, está no mínimo assinando embaixo daquilo que discorda.

Política aqui não se resume ao universo partidário. Se amplia no diálogo que gera decisões sobre questões públicas como a utilização de recursos públicos, as diretrizes para a atuação do governo, ou mesmo as prioridades da comunidade em reuniões da associação de bairro e até na indicação de pautas para a rádio comunitária. Ou seja, fazer política é ter voz nas decisões e construções que afetam e afetarão a sociedade hoje e amanhã.

Participação social é sinônimo de sustentabilidade socioambiental. Já compensação ambiental é o mesmo que prostituição socioambiental.

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13.5.08

A percepção do jovem como sujeito específico ainda está em construção no Brasil e os debates sobre o tema permanecem abertos

Por Helene Wendel Abramo*

A noção de que o jovem deve ser tomado como sujeito de direitos vem sendo cada vez mais acionada por aqueles que tomam a defesa dos jovens no Brasil. Esta afirmação ganha importância na medida em que busca deslocar a perspectiva, ainda dominante na opinião pública, do
jovem como problema para si mesmo e para a sociedade, assim como a ótica que o toma apenas na sua dimensão de sujeito em preparação para o futuro.

No Brasil, essa noção ganhou força e legitimidade por meio de uma importante e longa mobilização de diversos atores, no processo de luta contra a ditadura militar e seus efeitos mais perversos. Até então, a expressão legal existente, o Código de Menores, estava dirigido para as situações de desvio, configuradas pela vivência de situações de risco ou ações delinqüentes.

O foco real desse arcabouço jurídico eram as crianças e os adolescentes pertencentes a famílias pobres e “desestruturadas”, com uma compreensão de que essas situações conduziam potencialmente tais “menores” a uma conduta de desvio que era preciso controlar, reprimir e prevenir. Desse modo, acabava por operar uma perspectiva quase de criminalização das crianças pobres do país.

Para se contrapor a uma crescente onda de repressão e violência contra tais “menores de idade”, foi desencadeado, nos últimos anos da ditadura militar, um movimento envolvendo uma série de atores (entre juristas, funcionários públicos, militantes de movimentos sociais e comunitários), demandando a defesa dos direitos destas crianças, para que passassem a ser tratados como sujeitos de direitos e não como elementos perigosos para a sociedade. Foi, desse modo, uma luta pela superação da ótica problematizadora da infância, que se afirmava também como uma luta contra a desigualdade no tratamento das crianças dos diferentes segmentos sociais.

Essa mobilização logrou pautar a questão da infância e da adolescência na agenda pública, engendrou o desenvolvimento de políticas e programas, e resultou, no processo da elaboração da Constituinte, na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, abarcando todos os aspectos da vida e criando uma verdadeira teia de proteção às crianças e aos adolescentes do país.

O quanto conseguimos garantir estes direitos é uma questão ainda em aberto, mas não há dúvida de que foi operada uma importante mudança de postura com relação à infância no Brasil, e que é essa mudança de postura, e o vigor desta idéia sobre os direitos das crianças e adolescentes, que podem funcionar como força para a execução de políticas que garantam o cumprimento destes direitos. Nesse sentido, é preciso lembrar que a luta continua em curso, em torno da polêmica que tem polarizado a sociedade: a questão do limite de idade para a imputabilidade penal.

Construção social

Essa breve história mostra que os direitos são uma construção social e não um dado natural. Traduzem uma determinada concepção que, num dado momento, uma sociedade formula a respeito do que é justo, do que é digno, do que é essencial para a vida humana em sociedade. Por isso mesmo, são noções que traduzem visões distintas sobre o que é o humano e sobre como deve se organizar a vida social; e o seu estabelecimento como direitos reconhecidos se faz sempre por meio da disputa política.

Na história da sociedade ocidental moderna, os direitos foram sendo conquistados por meio de lutas sociais: primeiro, os direitos cívicos; depois os direitos políticos e, somente na segunda metade do século passado, os direitos sociais, demandados pelas classes trabalhadoras na perspectiva de estabelecimento dos padrões de uma vida digna. Hoje, vivemos um período de expressão das demandas das diferentes subjetividades, ou dos “sujeitos singulares”: as mulheres, os negros, os deficientes físicos, os idosos. São situações de vida, atravessadas por vários planos de diferenças e desigualdades, que demandam o estabelecimento de regras e medidas sociais para serem incluídos na condição de cidadania.

Nesse sentido é que surge, mais recentemente, a questão dos jovens, para além da adolescência, dos 15 aos 24 ou dos 18 aos 29 anos (as faixas etárias variam segundo diferentes postulações), a partir da constatação da existência de uma condição juvenil que se diferencia da infância, por um lado, e da condição adulta, por outro. Um período que se alonga bastante e não se constitui mais numa breve passagem, mas em toda uma etapa da vida, com necessidades e demandas específicas.

Por muito tempo “invisíveis” e sem interlocutores públicos, na última década muitos atores juvenis vieram se manifestar (muitas vezes por meio de uma linguagem mais cultural que propriamente política) a respeito das questões que os afetam nesta conjuntura de virada de século, e que não estão sendo respondidas nem pelas soluções desenvolvidas para a infância e adolescência, nem pelos serviços estruturados para a população adulta. Tais questões se relacionam a necessidades ligadas a diversas dimensões de suas vidas e são, politicamente, “novas”, sob a ótica desta especificidade, ou seja, não constam ainda do repertório das soluções já testadas e estruturadas.

Além da reivindicação do cumprimento do direito à educação – a uma educação para todos, completa e de qualidade – (que, na verdade, é o único direito reconhecido aos jovens, no plano retórico, pelo menos), os jovens têm expressado demandas por mecanismos de apoio e participação em várias outras áreas: trabalho, saúde, lazer, cultura, circulação pelo espaço público, política. Tomar os jovens como sujeito de direitos significa, portanto, em primeiro lugar, reconhecer a especificidade de sua condição e a singularidade da sua experiência geracional; significa também olhar suas demandas como relevantes e pertinentes ao debate público.

Exige, como aconteceu no caso das crianças e adolescentes, que se vá além da ótica que apreende os jovens como risco ou problema social, assim como da perspectiva que os situa apenas como sujeitos voltados para o futuro, negligenciando a sua vida e necessidades no presente. Implica, necessariamente, incorporar a participação de seus interlocutores (aqueles que expressam esta experiência e condição singular) nas disputas que definem as formulações sobre os direitos e sobre as políticas. Ou seja, significa abrir um debate público democrático sobre tal pauta de demandas e sobre o modo como podem e devem ser respondidas pelo estado e pela sociedade.

Foi apenas muito recentemente que a questão da juventude entrou para a pauta política e ganhou canais institucionais de resolução, que se materializam na criação de mecanismos institucionais e canais públicos de diálogo: no plano do executivo, além da criação de uma série de secretarias ou coordenadorias municipais, a criação, em 2005, da Secretaria Nacional de Juventude e do Conselho Nacional de Juventude; no legislativo, a criação de comissões, como a da Câmara Municipal de São Paulo, em 2001, e as da Câmara Federal, a partir de 2003, que já produziram vários projetos de lei, em tramitação, inclusive. Todos esses processos têm resultado na formulação de uma pauta de políticas específicas dirigidas a jovens, diferentes das dirigidas às crianças, cujas diretrizes, porém, ainda estão em debate.

Poderíamos dizer que estamos no momento da enunciação dos direitos dos jovens, ou seja, em pleno estágio da definição, invenção e disputa do que venham a ser tais direitos. Um dos projetos de lei apresentados pela Frente Parlamentar da Câmara Federal é a proposta de um Estatuto da Juventude, tendo como referência a faixa etária entre 15 e 29 anos. No entanto, se cada vez mais ganha clareza a idéia de que é necessário ter ações e políticas específicas para responder às questões singulares vividas pelos jovens, que os seus direitos devem, assim, ser expressos e garantidos por meio de políticas públicas, não é tão claro se devem ser definidas num estatuto jurídico. Este é um debate em aberto e, com certeza, sua resolução será tanto mais significativa quanto maior número de atores, principalmente os jovens, entrarem e se posicionarem a esse respeito.

* Helena Wendel Abramo é socióloga e foi coordenadora do Projeto Juventude. É consultora da Comissão de Juventude da Câmara Municipal de São Paulo e membro do Conselho Nacional da Juventude

Imagem - Pastoral da Juventude

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11.4.08

Análise – Do caso IstoÉ e da integração latino americana

A reconfiguração política da América Latina aloca em novos patamares a luta de classes, com o surgimento in loco de novos campos e práticas de expressão, manifestação e ação políticas. A cultura, encarada não mais como fruto da genialidade de alguns "seres especiais", agora é vista como representação de contextos históricos e determinadas formas de significação da realidade. Isto eleva a compreensão da relação entre arte e política na dimensão social.

Ao mesmo tempo as contínuas conquistas no reconhecimento dos direitos humanos demonstra avanços na aceitação da igualdade da dignidade humana, pautando novos elementos fundamentais a potencializar as diversidades.

A comunicação, entendida sob sua perspectiva de participação na esfera pública, abre espaço para as reivindicações sociais em torno do monopólio midiático e potencializam a resistência por parte das culturas tradicionais e minorias por meio da apropriação da produção comunicativa.

As novas tecnologias de informação e comunicação permitem saltar da receptividade para a interação, “o foco saiu da audição e da visão para a interatividade”. Evoluir de “uma forma de pensar a mídia como instrumento de democratização (..) por uma forma de pensar a mídia como instrumento de permanente mutação”¹. Os setores historicamente desprivilegiados podem então olhar não apenas para a participação em si, mas no como e em que podem transformar os rumos de suas comunidades e como e em que escala isto contribui para a transformação da sociedade humana.

Simultanemente, o maior entendimento no campo das ciências humanas e físicas do meio ambiente e das relações que a sociedade humana construiu com o espaço e seus elementos constitutivos apontam para graves equívocos e conseqüências desastrosas em escala global, que já começam a acontecer.

A compreensão do meio ambiente como esfera pública e o delineamento da perspectiva socioambiental faz com que se perceba a "mediação" que o viés ambiental, ou o conceito de sustentabilidade, pode exercer entre as dimensões da realidade humana terrena, influenciando a atuação política e os padrões de construção social.

A questão de classes, aqui, aparece mais nucleada num âmbito global e virtual, como que acompanhando as transformações ocorridas nas percepções espacial e temporal promovidas pela urbanização e customização do espaço e do tempo, pelas novas TIC's, sobretudo a internet, e o rompimento das fronteiras geográficas e culturais.

A distinção classista, que antes ficava clara no cotidiano do trabalho e da vida comum, agora tem sua representação mais fiel no monopólio da grande mídia. A própria divisão entre burguesia e proletariado não se dá tão claramente nos dias contemporâneos. A classe média em geral sucumbe à manipulação ideológica e mal percebe esta diferenciação, mesmo quando influenciada e atingida por ela, pois a divisão de classes não é parte objetiva de sua realidade vivencial, está camuflada nos fluxos de informação majoritários que bombardeiam involuntariamente sem parar.

O recente caso da revista IstoÉ, que manipulou uma foto para proteger o governador de São Paulo, o tucano José Serra², (veja as imagens no post abaixo) ilustra bem as proposições acima colocadas e demonstra em que lugar está a ética e o interesse público para estes veículos de comunicação.

Um fato escandaloso deste tipo não reverbera na mídia e indica um corporativismo no setor, enquanto o caso privado da morte da menina Isabela é usado para espetacularizar a vida e levar as pessoas para dentro da realidade privada e fora da realidade pública.

Numa reportagem claramente construída para criminalizar o MST³, dos sete nomes citados na reportagem quatro são de executivos de grandes empresas: Paulo Skaf (presidente da Fiesp), Eike Batista (homem mais rico do Brasil e um dos maiores acionistas da Vale do Rio Doce), Walter Cover (diretor de projetos institucionais e gestão ambiental da Vale) e José Conrado Santos (presdente da Fiepa).

O senador Heráclito Fortes (DEM-PI) também foi ouvido, com declarações contra as ações do MST. Mas em nenhum momento o texto explica que a Bunge, uma das empresas que estariam sendo intimidadas pelo MST e é citada na matéria, doou R$ 50 mil para a campanha do então candidato ao senado.

Os outros dois nomes citados são lideranças do MST, João Pedro Stédile e Maria Raimunda César. O primeiro só é citado e a fala de Maria Raimunda, posta como "contra os fatos": os crescimento da Vale do Rio Doce após a privatização, o sucesso do agronegócio e da siderurgia, a abertura de postos de trabalho no campo, a manutenção do superávit comercial e a credibilidade do país perante os investidores.

Mas os fatos reais indicam que o êxodo rural é crescente e um dos maiores fatores geradores de conflitos sociais no Brasil. Segundo o IBGE em 1960 um total de 55% da população brasileira morava no campo e, em 2000, 82% dos brasileiros já viviam em zonas urbanas. Outro fato: de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário a agricultura familiar emprega duas vezes mais que os grandes latifúndios.

Porém, "nos grandes centros é mais fácil encontrar pessoas que há pouco vieram do que tradicionais"4. Fica então a pergunta: se o agronegócio é tão favorável ao interesse público, porque a cada ano que passa as grandes propriedades rurais avançam mais sobre as pequenas e as cidade estão mais inchadas, apesar da despreparada infra-estrutura?

O episódio do golpe midiático contra o presidente venezuelano Hugo Chaves, em 2002, também demonstra a plataforma da luta de classes usada pelos detentores do capital. Após ser sequestrado e mantido em cativeiro incomunicavelmente, os veículos de comunicação de massa da Venezuela começaram a divulgar que Chaves havia renunciado ao cargo. Ele retomou o poder quase 48 horas depois, pouco depois do golpe ganhar visibilidade internacional. Casos como este e da IstoÉ explicitam a opinião e postura da grande mídia sobre os movimentos sociais e sobre os governos populares.

Os movimentos sociais nos dias de hoje, salvo exceções, lutam contra construções objetivas enquanto a construção capitalista é em base subjetiva. Um caminho seria buscar a afirmação cultural in loco e a apropriação dos meios de produção comunicativa. Encarar a manifestação cultural com outro nível de importância política e valorizar e instrumentalizar a comunicação de pequena escala, encontrando um novo lugar e função para a comunicação de massa.

E ainda mais efetivo seria junto a isto negar a dicotomia entre saber científico e saber tradicional numa perspectiva agroecológica e educomunicativa de construção social. A integração da América Latina não é unicamente estrutural, política e econômica, como propõem por caminhos distintos os imperialistas e o setor privado nacional e os movimentos sociais. Ela é, sobretudo, histórica e cultural.

¹ Revista Sociologia Ciência e Vida. Ano II, número 16. A mídia na mira da sociologia – entrevista com Alberto Abruzzese (pág.11)

² Leia mais na matéria da Agência Brasil de Fato “IstoÉ manipula foto para proteger Serra”

³ Reportagem “MST contra o desenvolvimento”, da edição 2005, de 9 de abril de 2008.

4 Callegare, Cesar. Revista Sociologia Ciência e Vida. Ano II, número 16. A reforma urbana (pág. 17)

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10.4.08

Jogo do(s) erro(s): descubra o(s) erro(s) da IstoÉ

A revista IstoÉ deu um verdadeiro presente aos debates das aulas de ética das faculdades de comunicação e jornalismo, em específico. Como mostra a Agência Brasil de Fato, um texto altamente tendencioso se esforça para criminalizar o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) e uma foto é manipulada para proteger o governador de São Paulo, o tucano José Serra.

A reportagem “MST contra o desenvolvimento” é um dos destaques do número desta semana (edição 2005 – 9 de abril de 2008). Com a chamada de capa “Abril Vermelho – Sem reação do governo, o MST intimida empresas e promove o mais violento protesto de sua história”, os leitores são convidados a mergulhar na implícita perspectiva da publicação sobre uma importante parcela da sociedade organizada: os movimentos sociais.


A reportagem é destaque na página inicial do portal
IstoÉ Online, com a foto adulterada


Na versão digital da revista, idêntica à impressa,
a foto acompanha o início da matéria


Na foto de Cristiano Machado, no portal Folha Imagem,
a placa aparece com o escrito “Fora Serra”

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7.1.08

Cada qual com seu ano novo

Mais um ano gregoriano acabou e outro começou. Aqui no litoral, todos na praia aguardando a meia-noite como se a vida fosse mudar após o relógio demonstrar que outro ano começa.

E me pergunto: por que o ano termina 31 de dezembro e começa 1° de janeiro para todo mundo? Como em todas, algo de muito estranho nesta convenção.

Falar de ano é fazer referência a um ciclo: o movimento de translação. A dança de 365 giros de Gaia sobre o próprio eixo enquanto dá uma volta no Sol, como que em reverência à criação. Uma dança que na verdade nunca termina, recomeça...

Assim é também com os outros planetas regidos pelo tempo Sol. Giram em torno dele numa dança interminável, mas não levam o mesmo tempo que a Terra para completar o ciclo de translação. Assim como os Astros, tenho o meu próprio jeito de dançar e me recuso a dançar em passinhos como os pagodeiros do apocalipse!

A volta ocidental em torno do Sol é regida pelo calendário gregoriano, segundo o qual os anos de todos nós começam e terminam simultaneamente. Imagine o Sol vestido de branco, estourando um espumante e a jantar lentilha...

À luz de uma proposta de organização temporal, vê-se rapidamente que o calendário gregoriano não é indicado para ordenar um ciclo. Tem subciclos irregulares (meses, semanas, dias...) e geração mecânica. Além da característica padronização propagada pelas forças globalizantes ocidentais. Não organiza, mas controla e massifica. E bagunça.


Em suma, o tempo não é, nunca foi e nunca será igual para ninguém, apesar de convivermos uma sicronia temporal. Não entramos aqui todos juntos e não seguimos as mesmas rotas, mas estamos todos aqui e compartilhamos o mesmo destino; assim como nos encontramos a todo instante no limiar do paradoxo autonomia e coletividade.

O tempo é a mente e a mente é a expressão cósmica do agora. Quando o agora é um tempo-igual-para-todos perde o encanto mágico da autonomia e o valor da criação. O tempo-igual-para-todos oprime o inesperado, é pre-estabelecido, esfaqueia a espontaneidade... Não entrei nesta dimensão junto a todos nem sequer vim pela mesma porta!

O girar dos ponteiros promove o passado de mera lembrança a fantasia vivenciada e cria nostalgia por um desejo desconhecido. Já o futuro, este sim, o único sobre o qual ainda é possível ser autônomo, torna-se a meta por excelência.

Quem tem o tempo igual a todos acha o agora insosso, sem sal, apócrifo; considera o passado a utopia conhecida; imagina para o futuro a possibilidade de reviver o passado ou um destino determinado.

E os sonhos têm quase sempre a forma de um futuro de poder. Este, qualquer que seja, distancia os homens do agora, instante atômico que passa despercebido pelos sentidos físicos; e não se pode esquecer que se distanciar do agora é fugir da própria mente.

Todos os sonhos de poder apntam para a matéria, e a matéria, que só pode ser tocada, não pode ser vivida, pode ser tocada por apenas alguns poucos. Para muitos não passa de desejo, para poucos é objetivo e resultado.

De qualquer forma, a matéria por si só não é uma utopia vivenciável. Como intuito, ela frustra as expectativas de realização, de possíveis melhoras e de harmonia com/no/do mundo até se perder a autonomia sobre os próprios sonhos.

Quem nunca desejou um produto inútil porque a propaganda instigou? Cuidado com os publicitários!, eles pode ser traiçoeiros... foram escolhidos para ser os oráculos da Babilônia! E por isso mesmo sua linguagem deve ser apropriada pela movimentação.


Não podemos permitir que o tempo e os sonhos sejam controlados. Deseje feliz ano novo no aniversário das pessoas.

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