22.3.07

Jornalismo para a sustentabilidade

Um acidente que não deve ser esquecido
Por Elizabeth Oliveira (*)

O acidente ocorrido nas instalações da Bayer CropScience, em Belford Roxo (Baixada Fluminense), no dia 16 de janeiro último, ao que tudo indica não cairá no esquecimento facilmente. A explosão de um tanque contendo o agrotóxico Tamaron foi controlada pela multinacional, mas as reações da sociedade continuam se multiplicando. A primeira delas foi uma representação junto ao Ministério Público Estadual e à Procuradoria da República do Rio de Janeiro, encaminhada pelo Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Baía de Sepetiba e da Zona Oeste, organização que já teve pedido de abertura de inquérito atendido para apurar as causas e conseqüências da explosão.

Ambientalistas e moradores da cidade estão organizando um abaixo-assinado, reforçando a demanda de investigação apresentada pelo Fórum, enquanto a Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) pretende convocar a empresa a depor em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), recém-protocolada, para apurar os Crimes Ambientais registrados no Estado nos últimos oito anos.

O ambientalista e coordenador do Fórum, Sérgio Ricardo de Lima, afirmou que o acidente “foi a gota que faltava para que a sociedade se mobilizasse e exigisse uma discussão mais aprofundada sobre a atuação da Bayer no Estado do Rio, a começar pela sua localização”. Segundo ele, a empresa chegou à Belford Roxo há cerca de 50 anos e com o crescimento da cidade atualmente está localizada em uma área urbana, cercada de residências e de todo tipo de estabelecimento. “É por essa e outras razões que na representação junto ao Ministério Público e à Procuradoria, o Fórum defende a transferência das instalações da empresa. É inadmissível que a produção de agrotóxicos e outras substâncias altamente tóxicas, além da incineração de resíduos industriais, estejam convivendo lado a lado com moradores que se queixam permanentemente de problemas de saúde em decorrência dessas atividades potencialmente poluidoras”, reforça o ambientalista.

Moradores sofrem com a falta de infra-estrutura nos arredores da empresa;
ao fundo, a "fumaça branca" da Bayer


O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alerj, deputado estadual André do PV, concorda com o teor da ação proposta pelo Fórum. “Acidentes piores podem acontecer a qualquer momento em Belford Roxo, principalmente porque os órgãos ambientais não têm condições estruturais para fazer um trabalho de fiscalização rigoroso em todas as instalações da empresa. Acho que o momento é oportuno à discussão sobre a necessidade de transferência da planta da Bayer. Não proponho acabar com as atividades da empresa no Estado, mas considero que as suas instalações estão hoje em uma área inadequada”, reitera o parlamentar a defesa que já havia feito no artigo “Uma calamidade ambiental ao nosso lado”, publicado na edição do Jornal do Brasil de 28 de janeiro último.

A Comissão de Meio Ambiente da Alerj, segundo André do PV, pretende convocar representantes da Bayer para depor na CPI dos Crimes Ambientais, não só pelo acidente, mas também pelas reclamações de moradores em relação aos problemas ambientais e de saúde que seriam decorrentes das atividades da empresa em Belford Roxo. Segundo o parlamentar, “se forem feitos exames nas comunidades devem aparecer problemas causados pela poluição industrial”.

A representação do Fórum solicita exatamente que seja feito um levantamento epidemiológico das comunidades que estão mais próximas às instalações da Bayer. A sugestão dada no documento foi de que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pela sua reconhecida capacidade em questões de saúde pública, seja responsável por essa investigação.

No acidente ocorrido nas instalações da Bayer ficaram feridos três funcionários que precisaram ser hospitalizados. Todos eles tiveram alta, entre os dias 24 de janeiro e 18 de fevereiro, segundo informações da empresa.

Ambientalistas Davson e Sérgio Ricardo lutam pela transferências das
instalações da Bayer de Belfort Roxo, ao fundo


A palavra do MP
O promotor Marcus Leal, da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Duque de Caxias, recebe nesta sexta-feira advogados da Bayer que responderão pessoalmente ao pedido de informações sobre a explosão ocorrida em janeiro e sobre as medidas de prevenção adotadas pela empresa. Responsável pela abertura do inquérito que está apurando as causas e as conseqüências do acidente, o promotor afirmou que não poderia adiantar qualquer detalhe das investigações, antes de analisar os dados solicitados aos órgãos ambientais e de ouvir os esclarecimentos prestados pelos representantes da multinacional instalada em Belford Roxo.

"Tenho informações preliminares de que não houve vazamento de substância tóxica durante o acidente, mas uma grande preocupação que tenho é com relação a riscos futuros nas instalações da empresa. No entanto, preciso analisar todos os dados solicitados antes de me pronunciar sobre o caso porque até agora o que eu sei sobre o acidente foi o que já saiu na imprensa", afirma. Ele acrescentou que a abertura do inquérito levou em consideração as informações sobre a explosão divulgadas pelos meios de comunicação.

Segundo Leal, além dos relatórios sobre o acidente a idéia também é de analisar o tipo de licenciamento que a empresa tem para operar em Belford Roxo. Quanto à demanda de transferência da planta da Bayer encaminhada na representação do Fórum de Meio Ambiente, o promotor foi cauteloso e voltou a reforçar que não gostaria de fazer nenhum julgamento prematuro da questão. Segundo ele, a empresa está atuando na cidade há cerca de 50 anos e o que pode exigir do empreendimento industrial é o cumprimento rigoroso da legislação em vigor, a fim de que as suas atividades sejam compatíveis com o tipo de licenciamento que possui, e com a garantia de equilíbrio ambiental e da saúde da população.

* Leia editorial "Independência, jornalismo de verdade", publicado no post anterior, para entender o objetivo desta reportagem. Produzida pela jornalista Elizabeth Oliveira, ela constituti um marco diferencial, pois foi patrocinada solidária e voluntariamente por diversos jornalistas ambientais que participam da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (RBJA), sendo veiculada espontaneamente por diversos veículos da mídia ambiental engajados em estimular e exigir maior investimento em jornalismo ambiental investigativo.


**Versão do Portal Ambiente Brasil

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21.3.07

Editorial

Independêcia, jornalismo de verdade
Por Bruno Pinheiro

Na vida tudo gira em torno de interesses. Sejam interesses pessoais ou coletivos, pro bem ou pro mal, tudo o que acontece é movido por uma ou mais intenções. A cobertura da mídia não foge à regra e o interesse maior dos proprietários de veículos de comunicação é, muitas vezes, manter o próprio veículo, que implica em gastos com estrutura, logística, recursos humanos, equipamentos etc. Outros podem almejar poder político, econômico, enfim, desejos mais amplos, mas a manutenção do veículo é sempre uma dificuldade latente.  

Para custear tais gastos, a maior fonte de renda dos veículos de mídia é a publicidade. E aí é que começa o joguete de interesses. Joguete que reflete na qualidade, aprofundamento e veracidade das informações que chegam à sociedade. É fácil entender esta lógica.  

Se imagine dono de uma grande indústria do setor químico. Você investe em iniciativas socioambientais, promove concursos de jornalismo e fotografia ambiental e, lógico, faz um baita barulho em cima disso, alocando quantias consideráveis para inserções publicitárias em jornais, revistas, sites, TV, na tentativa de relacionar a imagem da sua empresa à tão falada sustentabilidade. É o que se chama de "marketing verde".  

Mas por trás da imensa bondade que você pretende aliar à sua imagem institucional, há diversos impactos socioambientais de responsabilidade da sua indústria. Destinação irregular de resíduos tóxicos, ameaça à saúde pública, só para exemplificar. Aí, de repente, um daqueles veículos nos quais você injeta quantias substanciais publica matéria denunciando algumas dessas irregularidas. A lógica?  

Gasto fortunas com publicidade no veículo X. Ele fala mal de mim e eu paro de anunciar nele. Logo ele passará dificuldades financeiras e precisará do meu dinheiro novamente. Então ele deixa de falar mal de mim para voltar a lucrar com meus anúncios.  

Afinal, com o bolso não se brinca.  

Com o objetivo de promover reportagens investigativas totalmente independentes das políticas editoriais dos diversos veículos de comunicação, um grupo de uma rede de jornalistas ambientais deu início a um fundo para a viabilização de tais reportagens. A primeira, produzida pela jornalista Elizabeth Oliveira, muda o foco da cobertura sobre uma explosão na fábrica de agrotóxicos da Bayer em Belfort Roxo, na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro.  

O acidente envolveu um agrotóxico conhecido popularmente como Tamaron, proibido em diversos países pelo alto nível de toxidade. A empresa divulgou bastante as medidas tomadas para a minimização dos impactos provocados pela explosão. Na reportagem que segue, publicada em duas partes você terá acesso á versão dos moradores e ambientalistas da região, as opiniões de uma neurotoxicologista e de advogados e uma entrevista com o diretor de Meio Ambiente da Bayer SA, Enio Viterbo.

Amanhã e depois serao publicadas a primeira e a segunda parte da matéria. A iniciativa, pautada pelo coletivismo e pela cooperatividade, leva a você jornalismo ambiental da melhor qualidade. Jornalismo independente. Jornalismo de verdade.

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8.3.07

Morte de garotos e garotas

E aí?? Ninguém vai fazer nada???
(*) por Denise de Mattos Gaudard
 
Como vão todos??  Como foi o dia de voces hoje??? 
Hoje morreu a Alana Nascimento. Ela tinha apenas 12 anos ......
Ela era uma menina, negra, franzina e morava numa favela...
Aposto como já tem gente lendo e pensando. E daí? 
 
Claro, ela não é uma menina que convive conosco, nem pensar em vê-la brincando com os nossos filhos nos nossos condominios-cada-vez-mais-parecidos-com-uma-combinação-de-presídios-com-campo-de-concentração.
Afinal, ela não é um garoto de classe média, branco, do qual todos identificamos de imediato quando olhamos para os nossos filhos. Mas ela, não .. para meninas e meninos como ela, passamos na rua e cruzamos com eles sempre com um ohar desconfiado, mesmo quando estão com uniformes escolares.
 
E daí?  pensam alguns, afinal, varios deles são "trombadinhas" em potencial, assaltam até quando vão ou voltam da escola. Não dá mesmo para saber quem é quem ... Devem ser observados até sumirem de nossas vistas. E Quando passam direto, nossa! aquele alívio !! Se foram .....  Já retiraram seus rostinhos negros, pobres e feinhos para longe de nossas consciencias .......
 
É Alana... parece que o Brasil não é mesmo um lugar para crianças como voce, sobretudo tendo origens como as suas ...
 
Ela era uma excelente aluna em seu colegio, tirava boas notas, era um exemplo e muito querida por todos  os que a conheciam .... professores, colegas, amigos e familia...
Era meiga, doce e tinha até grandes chances de sair do terrível círculo vicioso que já a condena à uma exclusão social mesmo antes de nascer, acorrentada a uma origem de pobreza renitente, condição maior encontrada em uma das nossas cada vez maiores favelas Segundo declarações, ela queria ser professora, queria ensinar as pessoas pobres como ela, tirá-las tambem de sua condição de pobreza e desigualdade... mas não Alana .....
o Brasil dos desiguais não deixou de novo e de nôvo e de novo!   Quantos deles vão ter de morrer desta forma tão inútil??  
 
E ai gente?? cadê a mobilização popular???
 
Não , ela não foi covardemente arrastada por 7 kilometros por facínoras .....
Foi arrastada pela eterna inépcia, pela falta de competência e pela completa falência do estado brasileiro e pelo abismo cada vez mais profundo que se forma entre as castas brasileiras.
Que classes sociais o quê gente!!!!! 
Já viraram castas mesmo!! Vamos assumir logo de uma vez o nosso potentado geo-socio-político brazuca!!!
 
Seu corpo franzino ficou horas no calorão esperando o rabecão e claro.. a imprensa só noticiou a sua morte porque ela teve a "sorte" de ser assassinada por uma bala perdida em mais um dos já rotineiros tiroteios entre a policia e traficantes. Despois de 11 horas no IML a familia não tinha dinheiro para enterra-la..
aah sim, a imprensa até deu uma (sic).. atenção ao fato.
 
Está cada vez mais difícil de ter orgulho de ser carioca gente. Desculpem o mau humor, mas estas eternas "diferenças de pesos" e a forma como cada caso de criança covardemente morta é demagógicamente tratado pela imprensa e pela sociedade brasileira me enojam e me envergonham. 
 
Ela foi arrastada pela nossa omissão, sim somos TODOS RESOPNSAVEIS pela morte dela. Matamos uma Alana todos os dias com a nossa alienada comodidade, pela nossa conivência com a inapetência e inépcia das autoridades públicas e a hipócrita sociedade brasileira !! O grande negocio agora é continuar rezando para não acontecer conosco nem com niguem a quem amamos... longe de nós....
 
Ela não é um menino nem uma menina da classe media que nem o pobre João Hélio. Que perdoem todos mas agora quem está com o peito engasgado e se sentindo embargada e envergonhada sou eu, por ter tão pouco a fazer para impedir que Joãos Hélios e Alanas morram às pencas nas favelas e por aí.....
 
Mas agora quero sinceramente saber de voces todos. A morte hedionda do pequeno João Hélio revoltou e mobilizou o Rio de Janeiro com um todo e até o Brasil inteiro, enquanto meninos e meninas iguaizinhos à Alana e até ao João Hélio morrem ÀS PENCAS E TODOS OS DIAS, tanto nas favelas quanto nas periferias mais pobres desse país de merda!  
 
E NINGUEM FALA NEM FAZ ABSOLUTAMENTE NADA!!!!
 
Será que nos identificamos mais com os Joãos Hélios do que com as Alanas ?????
 
Quero ver a mobilização..... aahammm revoltadissima da revista VEJA, gritando em letras garrafais em seu semanário e gastando borbotões de dinheiro em Outddoors por toda a cidade do Rio de Janeiro ( gastaram em São Paulo tambem? me digam !) cunhando a seguinte frase emblemática;
 
E AÍ?? NINGUEM VAI FAZER NADA ??
 
Aliás, eles podiam ter gasto este dinheiro promovendo alguma obra social para ajudar um pouquinho a evitar que a nossa sociedade excrecentemente DESIgualitária fabrique mais garotos como aqueles que mataram o Antonio.
 
Perdão Joãos, Hélios, Antonios, Perdão Alanas.....  
 
Aaah sim, enquanto isso, vamos às "boas noticias " para as castas de cima. Os pobres juizes estaduais acabaram de ganhar um mimo de seus colegas do ST e do imparcialíssimo pessoal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Agora, os juizes estaduais tem o direito de ganhar mais do que o teto dos magistrados do Supremo, ou seja, estes pobres brasileiros  receberam o direito de ganhar mais de R$ 24.000,00 por mês, fora as mordomias, tempo de serviço menor do que o resto dos brasileiros, gabinetes com funcionarios ganhando mais de dez mil reais mensais, sem mencionar as vantagens das aposentadorias integrais.
 
E como o funcionalismo público assessor tambem baliza os seus salários pelos proventos destes sofredores já tão mal pagos iremos assitir em breve um "efeito cascata"  de reinvidicações destes pobres trabalhadores para que se "proporcionalize" tambem os seus salários. Afinal a nação brasileira é rica e generosa e eles, claro... fazem muito por merecer!  
 
E AÍ?? NINGUEM VAI FAZER NADA ????
 
 
(*) Denise de Mattos Gaudard é consultora de Gestão Empresarial e Ambiental. Participa do desenvolvimento de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) . Também ministra cursos e escreve artigos sobre MDL e Gestão Participativa em mídias nacionais e internacionais

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5.3.07

comunidades tradicionais

O "paradigma" de Xico Graziano
Reunidos com o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, moradores da Estação Ecológica Juréia-Itatins reivindicam participação na gestão e fiscalização da reserva

Depois de 20 anos impedidas de desenvolver qualquer atividade que lhes garantisse um dos mais elementares direitos, o da sobrevivência, as comunidades tradicionais residentes nos limites da Estação Ecologica Juréia-Itatins (EEJI), no litoral sul de São Paulo, agora querem participar da gestão e fiscalização da área. Em reunião com o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Xico Graziano, na última sexta-feira 02, o Conselho Consultivo da EEJI, formado por entidades ambientalistas, órgãos públicos e representantes dos moradores, apresentou e entregou ao secretário propostas para as próximas ações do Estado na reserva.

Dentre as principais estão a formalização da gestão compartilhada da área, de forma a incluir os moradores nos processos decisórios; o estímulo à participação de ONGs para atuar nas RDS's; e a reivindicação de formalização de parceria entre comunidade e Polícia Ambiental para fiscalização conjunta e entre Estado e União dos Moradores da Juréia (UMJ) para a elaboração e implantação do Plano de Manejo. Requisitam ainda a manutenção do Conselho Consultivo como estratégia para garantir a voz da comunidade no processo de descentralização e criação de conselhos deliberativos para cada UC.

Resultado da luta ambientalista para proteger 80 mil hectares de Mata Atlântica nativa de virar um polo de usinas nucleares, a EEJI agregou diversas áreas onde há mais de século já moravam comunidades quilombolas e caiçaras. A medida protegeu a área, hoje uma das mais importantes áreas de preservação de floresta tropical do mundo, mas resultou em 20 anos de sofrimento para as 350 famílias residentes, proibidas de trabalhar e criar meios de sobreviver na terra que contribuiu para a formação de sua cultura.

Em dezembro passado, a promulgação da lei estadual 12.406/2006 reestruturou e redimensionou a área, finalmente corrigindo o erro. Ela transformou a Estação Ecológica no Mosaico de Unidades de Conservação Juréia-Itatins. Os 80 mil hectares protegidos antes por uma Unidade de Conservação de proteção integral (Estação Ecológica) foram desmembrados e agora contemplam sete UC's diferentes, duas delas Reservas de Desenvolvimento Sustentável, possibilitando às populações tradicionais locais a prática de atividades compatíveis com a presevação da mata e de suas culturas. As outras UCs do mosaico são dois Parques Estaduais, uma Estação Ecológica e um Refúgio da Vida Silvestre.

O secretário chegou à sede administrativa da Estação Ecológica, na Estrada do Guaraú em Peruíbe, após sobrevoar de helicóptero os 80 mil hectares de Mata Atlântica protegidos legalmente pela reserva. Assistiu à apresentação das propostas do Conselho Consultivo, feita pelo presidente da União dos Moradores da Juréia, Arnaldo Rodrigues, que fez questão de reiterar diversas vezes a preocupação das comunidades. "Consideramos fundamental a participação dos moradores em todo o processo. Da elaboração do Plano de Manejo á implantação. Da gestão à fiscalização", falou.

Graziano fez intervenções, questionou, mostrando bastante interesse. Por fim, adotou postura de um "herói da floresta". Amaldiçoou os "bandidos ambientais", prometeu reforçar a fiscalização e uma dura luta contra o desmatamento e afirmou que o modelo adotado na descetralização da EEJI será a linha guia de sua Secretaria. "A Juréia será o paradigma da minha administração. Aqui eu não posso errar, porque o Mosaico da Juréia servirá de modelo para outros mosaicos que vêm aí", falou. Tentou, com isso, mostrar aos moradores que não há necessidade de preocupação. Que a gestão compartilhada será o "paradigma" norteador de sua pasta.

Seu discurso enfático muito agradou os presentes na reunião. Com um estilo bem peculiar, Graziano disse ainda que não haverá misericórdia com aqueles que desrespeitarem as leis ambientais. Depois abriu espaço para as manifestações dos moradores. Problemas como a exploração ilegal do palmito, invasões e desapropriações surgiram sem demora. "Melhorar a fiscalização é uma questão de honra. Vamos intensificar o controle nas entradas do Mosaico", falou o secretário. Quando questionado por uma moradora que afirmou já ter sido ameaçada diversas vezes por catadores de plamito, relembrou seus tempos à frente do INCRA, quando lidava com as invasões do MST. "Quero gente com arma na cinta fazendo a fiscalização", declarou.

E ainda com relação ao palmito, surgiu o fato mais demonstrativo do tal "paradigma" de Graziano. Por lei, os índios têm autonomia para retirar palmito da floresta e vender em feiras livres. Antes, apenas eles podiam desenvolver a atividade. Mas agora, com algumas áreas transformadas em Reservas de Desenvolvimento Sustentável, o palmito virou patrimônio das comunidades. Isto é, o palmito extraído pelos índios pode virar renda para os moradores.

"Não teremos misericórdia com nenhum ladrão da floresta, nem com índios que roubarem palmito" disse o secretário, mostrando desconhecer a legislação. Sua afirmação indicou uma idéia preconceituosa a respeito dos índios, como se fossem seres estranhos e não moradores da floresta como todos os que ali habitam. Um ambientalista que participava da reunião interrompeu o secretário nesta hora e sugeriu mais cautela para falar desse assunto. "Acho melhor deixarmos para entrar nesta questão em outro momento, mais embasados com informações. Simplesmete jogar as comunidades contra os índios não vai ajudar em nada a resolvero problema. Na verdade, é algo muito perigoso", alertou altivamente.

Alerta mais do que justificado. No entanto, a resposta do secretário, um tanto arrogante, um tanto irônica, foi: "Está certo, vamos lavar a roupa suja". Como se o posicionamento do ambientalista fosse mera revolta de um "ecochato".

Está aí o paradigma do secretário. O paradigma de uma gestão compartilhada que não é 100% inclusiva, que exclui os moradores mais antigos das florestas, os indígenas. Agora é esperar e ver como vai se dar o processo de reestruturação da Estação Ecológica, inclusiva e participativa, ou discriminatória e excludente? Ou os índios não fazem parte também das comunidades da floresta e não precisam sobreviver e manter sua cultura, assim como todas as outras?

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