22.5.08

Turismo comunitário: estratégia de enfrentamento às desigualdades

Adital - José Ricardo Cox Aranibar, Vice-ministro de turismo da Bolívia, esteve presente no II Seminário Internacional de Turismo Sustentável, realizado em Fortaleza de 12 a 15 de maio. Em entrevista à assessoria de Comunicação do evento, ele fala sobre a política de turismo do governo boliviano, a importância do turismo comunitário para a consolidação dos territórios indígenas e para a superação dos problemas gerados pelo colonialismo e pelo neoliberalismo.

Desde quando o turismo sustentável é discutido pelo governo boliviano?


José Ricardo - O tema do desenvolvimento turístico sustentável é discutido há 10,12 anos em toda a Bolívia. A partir disso, foram feitas algumas ações. Teve um projeto do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de apoio ao desenvolvimento turístico sustentável há uns 10 anos. Nos últimos 5 anos, iniciou-se a segunda fase do projeto, que incluiu um apoio à regulamentação para a operação turística (hospedagem, incluindo aspectos de conservação do meio ambiente e responsabilidade social). E também foram apoiados projetos nos quais foram promovidas alianças entre a empresa privada e as comunidades locais, focando na responsabilidade social das empresas. Estes projetos foram financiados ao setor privado para que realizasse atividades com as comunidades.

Em que medida isso é possível, já que as visões e interesses desse dois segmentos geralmente se contrapõem?
José Ricardo
- Em alguns casos, resultou mais ou menos bem. Em outros, um fracasso. Houve um acompanhamento da ação social das empresas. Determinamos que o estado ou uma ONG acompanhasse essa relação, capacitando a empresa privada com o tema da responsabilidade social, para estabelecer alianças eqüitativas nos negócios e empregos. Geralmente o setor privado tradicional teve uma atividade um pouco de aproveitar-se da boa vontade da comunidade. A empresa privada levava os turistas para visitar a comunidade, conhecer a cultura e não deixava nada na comunidade. Então, começou-se incluindo a comunidade na venda de artesanatos, de produtos locais, a fazer capacitação para que (as pessoas da comunidade) pudessem ser empregadas na atividade turística.

Porque o apoio não foi direto às comunidades e sim às empresas privadas para estabelecer parcerias?
José Ricardo - Esses projetos demonstrativos chegavam a 1 milhão de dólares. Há outros setores, que são projetos pequenos, que chegavam direto às comunidades, comunidades e municípios. Isso foi o início, mas, como governo, não existia uma política para o desenvolvimento comunitário nem nas normas nem nos regulamentos de turismo. Na lei também não. A partir de 2006, com o governo de Evo Morales, ele deu ênfase no tema do turismo comunitário. No seu programa de governo, propôs o turismo comunitário como eixo central das políticas de turismo do país. No plano nacional de desenvolvimento, formulado em maio de 2006, o turismo comunitário aparece como um dos eixos importantes do desenvolvimento econômico orientado à geração de emprego e renda. O plano nacional identifica as políticas gerais e nós, do vice-ministério do turismo - a cabeça do turismo na Bolívia, elaboramos um plano nacional que se orienta nos princípios do turismo sustentável. Então, como principal política de desenvolvimento turístico sustentável, estão os turismos indígena e comunitário.

Como é trabalhado o turismo indígena?

José Ricardo - O modelo indígena é autogestionário, que surge endogenamente e são organizações comunitárias que geram seus empreendimentos, sua empresa turística. É um modelo no qual se promove o estilo de vida, uma forma de ser da sociedade original, na qual a relação harmônica com a natureza e a relação entre as pessoas é uma relação de afeto, de unidade, de trabalho conjunto, de tomada de decisão conjunta, portanto deixa benefícios econômicos, sociais, ambientais e, sobretudo, na consolidação dos territórios indígenas. É uma ferramenta importante para enfrentar a pobreza, mobilizar os recursos internos dos sistemas produtivos agrícolas, florestais e pecuários e uma forma de dinamizar a economia, criando oportunidades no próprio território, evitando a migração e promovendo a volta dos indígenas das cidades até suas próprias comunidades. É um modelo democratizado de turismo. Na Bolívia, há muito pouco investimento estrangeiro. Vemos como possibilidade importante agora do Governo Evo Morales a aliança com as comunidades.

Estabelecendo um paralelo entre a Bolívia e o Brasil, como você avalia as perspectivas de governo para o turismo nos dois países?
José Ricardo - A indústria do turismo no Brasil é bastante desenvolvida, mas baseada em investimento estrangeiro. É um modelo territorial tipo enclave (cercado por territórios pertencentes a estrangeiros), que não deixa muitos benefícios à base comunitária, à sociedade do país. São empresas nas quais seus benefícios são exportados. Essa é a minha percepção. É um modelo totalmente contraposto ao modelo comunitário. Não sei se é possível estabelecer aliança entre o setor estrangeiro empresarial e o setor comunitário aqui. Mas o setor comunitário está surgindo com uma organização desde a base, o que permite pensar em um futuro muito mais eqüitativo, com a possibilidade de se desenvolver de maneira mais autônoma.

* Por Aline Baima, assessora de Comunicação do II SITS

Crédito de imagem: Iana Soares

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