19.5.08

Começo de papo - porto em Peruíbe

A proposta de construção de um mega complexo industrial e portuário em Peruíbe traz com força o desenvolvimento da região para a pauta de discussões públicas.

Não há hoje quem negue as difíceis condições de sobrevivência, principalmente para as classes economicamente menos favorecidas, do litoral sul de São Paulo. E não há quem negue também a necessidade de desenvolvimento da região. O que alguns negam e outros defendem, mas muitos não enxergam claramente, é que estas necessidades vão muito além da questão econômica.

A própria economia, se realmente compreendida, pode ampliar a visão. De raiz etimológica no grego oikonomia (oiko=casa + nomia=regras, gerenciar), economia significa, originalmente, "gerenciamento da casa". Ou seja, a gestão dos recursos produtivos, de forma a atender e a beneficiar a todos os moradores da casa. Os recursos produtivos são diversos, mas geralmente apenas o dinheiro, o capital, é percebido como tal. Aqui no litoral sul de São Paulo, os recursos são infindados e, se bem trabalhados, podem resultar em recurso financeiro para aqueles que hoje não têm.

As características ambientais e geográficas da região, por si só, representam enorme recurso produtivo. A cultura local é um enorme recurso produtivo. As pessoas e seus saberes, eruditos ou populares, representam recurso produtivo. Gente do mundo inteiro olha com bons olhos para a região, mas aqueles que aqui moram estão olhando para fora. Já passou da hora de valorizarmos os recursos que aqui temos e inserí-los num planejamento de longo prazo.

Quando se fala em sustentabilidade ou em desenvolvimento sustentável para o litoral sul de São Paulo ou para qualquer outro lugar do planeta muitas outras questões devem ser consideradas como pano de fundo para o crescimento econômico. E algumas das principais são: como estamos gerenciando os recursos da nossa casa? Quem está gerenciando estes recursos? Quais recursos estão sendo gerenciados?

O caminho principal para a compreensão destas e outras questões e suas relações com o todo por parte da população é a construção de políticas públicas, envolvendo os setores sociais locais numa discussão que objetive tecer os arranjos necessários para a construção do desenvolvimento sustentável.

Dizer não ao porto em Peruíbe, neste instante, não significa unicamente uma postura "verde", de defesa das matas e da biodiversidade. Muito mais que isso, significa se posicionar em favor daqueles que nunca tiveram chance de participar das construções políticas que nos trouxeram a este ostracismo (falta de ação política) econômica que reina na região.

O litoral sul de São Paulo necessita de soluções públicas para as suas mazelas sociais, econômicas, ambientais e culturais e não de uma resposta privada. Se a classe política fosse séria, a muitos anos já teríamos iniciado este processo de construção democrática e participativa do nosso presente e do nosso futuro. Não é o porto a saída para a paralização econômica da região se pensarmos em respeito aos fundamentos da sustentabilidade.

Os poĺiticos locais nunca trabalharam para construir políticas públicas sérias. Em escala bem menor e de nível local, o modelo de desenvolvimento econômico encampando cá pra estas bandas de nosso rico e diverso Brasilizão é o mesmo que oferece um porto e um complexo industrial para região.

Os membros da classe política que agora saúdam a vinda do porto sem levar em consideração o potencial socioeconômico, ambiental e cultural regional estão na verdade assinando seu atestado de incompetência (ou de falta de interesse público) para coordenar a construção de um caminho público, social, para os problemas que afligem a população do litoral sul.

A sociedade civil e a classe empresarial que também apóiam o empreendimento, ou está vendo o ouro reluzindo - isto é, está levando em consideração o seu benefício pessoal com o projeto - ou está dizendo amém para a construção histórica de nossa classe política - aquela responsável pela situação caótica da região, que seria "consertada" pelo porto. A sociedade participando e influenciando ativamente nas decisões que dizem respeito aos municípios e à região como um todo é coisa que nunca interessou à classe política.

Mas tudo é uma via de duas mãos. "Se não gostamos do comportamento dos políticos e do funcionamento do sistema e não fazemos nada quanto a isso, estamos sendo políticos, estamos contribuindo para a perpetuação de uma situação política indesejável".

Esta passagem é do livro "Política - quem manda, por que manda, como manda", do escritor João Ubaldo Ribeiro. Sintetiza tão bem o contexto de participação social aqui no litoral sul do estado de São Paulo que parece ter sido escrita por conta disso. O que ele quer dizer é que não importa sua posição em relação à sociedade, ela é sempre política. E que se você não participa, está no mínimo assinando embaixo daquilo que discorda.

Política aqui não se resume ao universo partidário. Se amplia no diálogo que gera decisões sobre questões públicas como a utilização de recursos públicos, as diretrizes para a atuação do governo, ou mesmo as prioridades da comunidade em reuniões da associação de bairro e até na indicação de pautas para a rádio comunitária. Ou seja, fazer política é ter voz nas decisões e construções que afetam e afetarão a sociedade hoje e amanhã.

Participação social é sinônimo de sustentabilidade socioambiental. Já compensação ambiental é o mesmo que prostituição socioambiental.

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