Análise – Do caso IstoÉ e da integração latino americana
A reconfiguração política da América Latina aloca em novos patamares a luta de classes, com o surgimento in loco de novos campos e práticas de expressão, manifestação e ação políticas. A cultura, encarada não mais como fruto da genialidade de alguns "seres especiais", agora é vista como representação de contextos históricos e determinadas formas de significação da realidade. Isto eleva a compreensão da relação entre arte e política na dimensão social.
Ao mesmo tempo as contínuas conquistas no reconhecimento dos direitos humanos demonstra avanços na aceitação da igualdade da dignidade humana, pautando novos elementos fundamentais a potencializar as diversidades.
A comunicação, entendida sob sua perspectiva de participação na esfera pública, abre espaço para as reivindicações sociais em torno do monopólio midiático e potencializam a resistência por parte das culturas tradicionais e minorias por meio da apropriação da produção comunicativa.
As novas tecnologias de informação e comunicação permitem saltar da receptividade para a interação, “o foco saiu da audição e da visão para a interatividade”. Evoluir de “uma forma de pensar a mídia como instrumento de democratização (..) por uma forma de pensar a mídia como instrumento de permanente mutação”¹. Os setores historicamente desprivilegiados podem então olhar não apenas para a participação em si, mas no como e em que podem transformar os rumos de suas comunidades e como e em que escala isto contribui para a transformação da sociedade humana.
Simultanemente, o maior entendimento no campo das ciências humanas e físicas do meio ambiente e das relações que a sociedade humana construiu com o espaço e seus elementos constitutivos apontam para graves equívocos e conseqüências desastrosas em escala global, que já começam a acontecer.
A compreensão do meio ambiente como esfera pública e o delineamento da perspectiva socioambiental faz com que se perceba a "mediação" que o viés ambiental, ou o conceito de sustentabilidade, pode exercer entre as dimensões da realidade humana terrena, influenciando a atuação política e os padrões de construção social.
A questão de classes, aqui, aparece mais nucleada num âmbito global e virtual, como que acompanhando as transformações ocorridas nas percepções espacial e temporal promovidas pela urbanização e customização do espaço e do tempo, pelas novas TIC's, sobretudo a internet, e o rompimento das fronteiras geográficas e culturais.
A distinção classista, que antes ficava clara no cotidiano do trabalho e da vida comum, agora tem sua representação mais fiel no monopólio da grande mídia. A própria divisão entre burguesia e proletariado não se dá tão claramente nos dias contemporâneos. A classe média em geral sucumbe à manipulação ideológica e mal percebe esta diferenciação, mesmo quando influenciada e atingida por ela, pois a divisão de classes não é parte objetiva de sua realidade vivencial, está camuflada nos fluxos de informação majoritários que bombardeiam involuntariamente sem parar.
O recente caso da revista IstoÉ, que manipulou uma foto para proteger o governador de São Paulo, o tucano José Serra², (veja as imagens no post abaixo) ilustra bem as proposições acima colocadas e demonstra em que lugar está a ética e o interesse público para estes veículos de comunicação.
Um fato escandaloso deste tipo não reverbera na mídia e indica um corporativismo no setor, enquanto o caso privado da morte da menina Isabela é usado para espetacularizar a vida e levar as pessoas para dentro da realidade privada e fora da realidade pública.
Numa reportagem claramente construída para criminalizar o MST³, dos sete nomes citados na reportagem quatro são de executivos de grandes empresas: Paulo Skaf (presidente da Fiesp), Eike Batista (homem mais rico do Brasil e um dos maiores acionistas da Vale do Rio Doce), Walter Cover (diretor de projetos institucionais e gestão ambiental da Vale) e José Conrado Santos (presdente da Fiepa).
O senador Heráclito Fortes (DEM-PI) também foi ouvido, com declarações contra as ações do MST. Mas em nenhum momento o texto explica que a Bunge, uma das empresas que estariam sendo intimidadas pelo MST e é citada na matéria, doou R$ 50 mil para a campanha do então candidato ao senado.
Os outros dois nomes citados são lideranças do MST, João Pedro Stédile e Maria Raimunda César. O primeiro só é citado e a fala de Maria Raimunda, posta como "contra os fatos": os crescimento da Vale do Rio Doce após a privatização, o sucesso do agronegócio e da siderurgia, a abertura de postos de trabalho no campo, a manutenção do superávit comercial e a credibilidade do país perante os investidores.
Mas os fatos reais indicam que o êxodo rural é crescente e um dos maiores fatores geradores de conflitos sociais no Brasil. Segundo o IBGE em 1960 um total de 55% da população brasileira morava no campo e, em 2000, 82% dos brasileiros já viviam em zonas urbanas. Outro fato: de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário a agricultura familiar emprega duas vezes mais que os grandes latifúndios.
Porém, "nos grandes centros é mais fácil encontrar pessoas que há pouco vieram do que tradicionais"4. Fica então a pergunta: se o agronegócio é tão favorável ao interesse público, porque a cada ano que passa as grandes propriedades rurais avançam mais sobre as pequenas e as cidade estão mais inchadas, apesar da despreparada infra-estrutura?
O episódio do golpe midiático contra o presidente venezuelano Hugo Chaves, em 2002, também demonstra a plataforma da luta de classes usada pelos detentores do capital. Após ser sequestrado e mantido em cativeiro incomunicavelmente, os veículos de comunicação de massa da Venezuela começaram a divulgar que Chaves havia renunciado ao cargo. Ele retomou o poder quase 48 horas depois, pouco depois do golpe ganhar visibilidade internacional. Casos como este e da IstoÉ explicitam a opinião e postura da grande mídia sobre os movimentos sociais e sobre os governos populares.
Os movimentos sociais nos dias de hoje, salvo exceções, lutam contra construções objetivas enquanto a construção capitalista é em base subjetiva. Um caminho seria buscar a afirmação cultural in loco e a apropriação dos meios de produção comunicativa. Encarar a manifestação cultural com outro nível de importância política e valorizar e instrumentalizar a comunicação de pequena escala, encontrando um novo lugar e função para a comunicação de massa.
E ainda mais efetivo seria junto a isto negar a dicotomia entre saber científico e saber tradicional numa perspectiva agroecológica e educomunicativa de construção social. A integração da América Latina não é unicamente estrutural, política e econômica, como propõem por caminhos distintos os imperialistas e o setor privado nacional e os movimentos sociais. Ela é, sobretudo, histórica e cultural.
¹ Revista Sociologia Ciência e Vida. Ano II, número 16. A mídia na mira da sociologia – entrevista com Alberto Abruzzese (pág.11)
² Leia mais na matéria da Agência Brasil de Fato “IstoÉ manipula foto para proteger Serra”
³ Reportagem “MST contra o desenvolvimento”, da edição 2005, de 9 de abril de 2008.
4 Callegare, Cesar. Revista Sociologia Ciência e Vida. Ano II, número 16. A reforma urbana (pág. 17)
No comments:
Post a Comment